São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 1995
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Contratenores escracham divas do canto

IRINEU FRANCO PERPÉTUO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Até que estava demorando muito. Depois de Elena Obratsova, Ileana Cotrubas e Renata Scotto tentarem emular o sucesso de seus pares tenores no malogrado "As Três Sopranos", a onda do "ménage à trois" lírico chega às divas da moda: os contratenores.
Andreas Scholl, Dominique Visse e Pascal Bertin são os astros de "Les 3 Contre-Tenors", lançado na Europa pela Harmonia Mundi. Ao contrário das sopranos, que levaram sua tentativa a sério, os contratenores assumem o tom de escracho. A gozação vai do texto de apresentação aos arranjos.
Por isso, o disco dos contratenores parece melhor sucedido que o vídeo das sopranos. O CD tenta o resgate pela ironia, e seu kitsch assumido evidencia o kitsch enrustido dos espetátulos dos tenores.
Afinal, Carreras, Domingo e Pavarotti mexem com o desejo novo rico de ostentar cultura de alto nível. Vendem a respeitabilidade suposta da ópera para a massa para fazê-la sentir-e mais "elevada". Zubin Mehta brinca de Ray Connif enquanto o manto da música "séria" acolhe todos os torcedores do mundo e faz com que até melodias como "Cielito Lindo" possam ser apreciadas sem culpa.
Já "Les 3 Contre-Tenors" busca o kitsch deslavado. Despudoradamente bregas, os arranjos parecem ser feitos para ofender o bom gosto do ouvinte. A intenção inicial é paródica. Até na foto de divulgação os contratenores imitam trajes e trejeitos dos três tenores.
O repertório também passa longe do "mainstream" do registro. Melodias consagradas nos concertos de Carreras, Domingo e Pavarotti, como "My Way", "Una furtiva lagrima" e "Maria" só reforçam o gosto de zombaria.
Mesmo quando interpretam árias para voz feminina, os contratenores escapam da tradição Farinelli, escolhendo, em vez Handel e Gluck, árias da "Carmen", de Bizet, e "Sansão e Dalila", de Saint-Saëns.
O texto de apresentação é também paródico. Falando de "O sole mio", conta uma intrincada história que reclama para o cultuado compositor Alban Berg a autoria.
Só o que acaba travando o disco são os próprios contratenores, que se recusam a assumir totalmente o kitsch. Cantada de forma tradicional, "O sole mio" acaba sendo menos engraçada que a versão que Carreras, Domingo e Pavarotti protagonizaram na Copa de 90.

Disco: "Les 3 Contre-Tenors"
Lançamento: Harmonia Mundi (importado)
Preço: R$ 28,00 (o CD, em média)

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