São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 1995
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O financiamento da educação superior

ODILON A. MARCUZZO DO CANTO

Os modelos econômicos baseados no uso intensivo de mão-de-obra barata e não-qualificada, somado à exploração predatória de matérias-primas, estão com seus dias contados. Mudou o paradigma produtivo do planeta. Com a internacionalização do capital, a escolha de onde aplicá-lo dependerá mais do perfil educacional de um povo do que de eventuais limitações geográficas. É por isso que, cada vez mais, os países do Primeiro Mundo começam a se preocupar com seus sistemas educacionais.
A ascensão do Japão como potência econômica, assim como de alguns países asiáticos de industrialização recente, são exemplos concretos do retorno que o investimento em educação pode trazer para os países que acreditam na capacidade transformadora do seu maior capital, isto é, o próprio homem.
Em um novo padrão de desenvolvimento econômico, no qual a produtividade e a qualidade dos produtos e serviços são decisivos para a competitividade internacional, fazer economia de recursos nas áreas de educação, ciência e tecnologia não parece ser uma política muito sensata.
O Estado, sobretudo nos países do Terceiro Mundo, não pode se desobrigar da tarefa do planejamento e financiamento da educação. Se é verdade que a geração do conhecimento deriva da capacidade científica, a capacidade de utilização desse conhecimento depende tanto do domínio da tecnologia como da política governamental. A disseminação desse conhecimento, entretanto, é tarefa da educação em todos os níveis.
Mas, para além dos objetivos econômicos, a educação deve ser encarada como instrumento de emancipação do homem. O neoliberalismo confunde qualidade educacional e científica com capacidade de adaptação da mão-de-obra aos imperativos do mercado.
Se a educação e a ciência forem teleguiadas exclusivamente pelo mercado, elas só estarão contribuindo para reforçar a servidão humana, a subordinação do homem à técnica e a obsolescência recorrente da mão-de-obra.
Daí se deve depreender, então, que a qualidade científica não é a subordinação do trabalho à técnica, mas, pelo contrário, a subordinação da técnica ao trabalho. Esse tipo de educação, ao mesmo tempo que habilita as pessoas a ingressar no moderno processo de trabalho, emancipa-as. Coloca-as acima dele. Ao mesmo tempo que as insere no mundo da produção, não as mantém prisioneiras dele.
O conceito de modernização passou a significar, no pós-guerra, um processo por meio do qual as nações atrasadas venceriam obstáculos que se interpunham entre elas e as nações desenvolvidas. Com o passar do tempo, entretanto, observou-se que o hiato que separa países pobres e ricos, ao invés de diminuir, ampliou-se.
Porém, como mostra o recente ``Documento de Política para el Cambio y el Desarrollo en la Educación Superior" da Unesco, o desenvolvimento está intimamente associado com o aumento dos gastos em educação superior. De fato, estamos vivendo uma época em que, sem uma qualificação e pesquisa satisfatórias nas universidades, nenhum país pode assegurar ao seu povo um desenvolvimento auto-sustentável.
As novas tecnologias de informação e comunicação atingem, hoje, praticamente todas as camadas sociais. É preciso que a sociedade como um todo, e não apenas uma elite, tenha acesso aos bens e serviços que as novas tecnologias tornaram disponíveis. Ainda que a educação, por si só, não assegure a justiça social, ela é, fora de dúvida, parte indispensável do esforço para tornar as sociedades mais igualitárias.
A superação das disparidades sociais passa, necessariamente, pelo resgate da missão fundamental da educação: a promoção da cidadania. Isso significa entender a educação não como um fim em si mesma, mas como um meio para a transferência do conhecimento que possa ser aplicado em prol da sociedade.
Os alunos transformam-se em vetores, encarregados da difusão do conhecimento gerado e armazenado pelo sistema educacional. Assim se estarão formando bons cidadãos, acima de simplesmente bons profissionais. Noutras palavras, estar-se-á implantando, na prática, a verdadeira democracia.
O desafio da universidade é, portanto, situar-se no contexto da comunidade em que está inserida. Problemas como desigualdade de acesso à educação superior, necessidade de expansão de vagas e melhoria da qualificação de seu corpo docente devem ser urgentemente enfrentados.
Do mesmo modo, a universidade deve liderar corajosamente o processo de modernização da educação como um todo. À medida que a universidade desenvolver mecanismos mais flexíveis de reforma de seus currículos de ensino e aperfeiçoamento dos métodos pedagógicos, estará também contribuindo, decisivamente, para a melhoria da qualidade dos demais níveis de ensino.
A universidade tem de levar em conta os valores culturais locais e gerar tecnologias capazes de resolver os problemas mais simples da maioria da população. Portanto o conhecimento é imprescindível para a promoção da qualidade de vida. E, se qualidade de vida constitui responsabilidade primeira do Estado, logo é ele que deve dar suporte à educação, pois é por meio dela que se produz e difunde o conhecimento.

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