São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 1995
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O governo FHC e a Mata Atlântica

JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA COSTA

Em um dos últimos dias de junho, realizou-se finalmente a primeira reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) do governo FHC. Foi então apresentada uma minuta de projeto de lei preparada pelo Ibama e entregue aos conselheiros pelo ministro Gustavo Krause.
Essa minuta, entre vários problemas, apresenta um maior, que propõe a redução do espaço -até aqui reconhecido oficialmente como domínio da Mata Atlântica- para uma área muitíssimo menor. A questão é grave e, de forma sintética, a seguinte: as florestas tropicais são as maiores detentoras de diferentes espécies entre todos os ecossistemas do planeta. A essa quantidade de espécies, de fauna e de flora, dá-se o nome de biodiversidade.
A engenharia genética, a alimentação e a medicina são apenas alguns dos benefícios que podemos auferir desses milhares de seres. O assunto é tão importante que o principal documento firmado na Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio em 92, foi a Convenção da Biodiversidade.
Dentre as florestas tropicais, uma das mais ricas em diversidade biológica é a Mata Atlântica. Nela se registrou, até o presente momento, a maior quantidade de espécies arbóreas por hectare, em trabalho publicado conjuntamente por pesquisadores baianos e do Jardim Botânico de Nova York. Esse recorde, do qual podemos nos envaidecer, infelizmente é alcançado por outro menos nobre, relativo a essa mesma floresta.
A Mata Atlântica é provavelmente a floresta tropical mais ameaçada de extinção em todo o planeta. Ela cobria originalmente cerca de 1 milhão de quilômetros quadrados do território brasileiro e hoje está reduzida a algo entre 5% e 8% de sua área primitiva. Mesmo assim, o que restou é de importância vital a toda a humanidade e especialmente a nós brasileiros.
Ela é também fonte de abastecimento de água para 100 milhões de pessoas, estabiliza encostas, oferece opções de lazer, enriquece paisagens turísticas e é bem comum de todos os brasileiros, como apregoa a lei desde os anos 30.
Essa questão é de tão grande importância que a Constituição de 1988 declarou a Mata Atlântica patrimônio nacional. FHC, em sua plataforma de campanha, comprometeu-se com uma série de ações, entre elas a manutenção da nossa biodiversidade.
O caso atual prende-se a dois decretos de proteção à Mata Atlântica assinados pelo então presidente Itamar Franco. O primeiro deles, considerado muito rígido, foi substituído por outro em 1993 que tem o nº 750. Esse decreto, regulamentando a Constituição, define a área de abrangência da Mata Atlântica, restringe seu corte e determina quando, em caráter especial, ela pode ser derrubada.
O cuidado foi tal, a ponto de o Conama ficar com a obrigação de regulamentar separadamente, atendendo a peculiaridades regionais em cada um dos 16 Estados em que há ocorrência da Mata Atlântica, os detalhes de sua aplicação.
Isso foi feito em praticamente todos os Estados envolvidos. Em Santa Catarina, tardiamente. Lá, uma agressiva indústria madeireira sublevou-se contra essas disposições. É também verdade que outros setores, como os especuladores imobiliários, também reclamam do decreto 750. Coube ao deputado Paulo Borhausen, do PFL catarinense, a iniciativa de uma campanha contra o decreto, que resultou nessa proposta do Ministério do Meio Ambiente.
A proposta apresentada ao Conama é inaceitável por inúmeras razões. Primeiro, porque, ao reduzir a Mata Atlântica à estreita faixa costeira, investe contra definição das maiores autoridades científicas, aprovada e reiterada pelo Conama. Não bastasse isso, é no planalto que estão as áreas mais devastadas dessa floresta, sendo elas mais prioritárias ainda para conservação e recuperação.
Aí teríamos uma agressão à Constituição e à própria Convenção da Biodiversidade. Essa transgressão pode levar o país a cortes internacionais, o que o enodoaria de forma indesejável.
Mais ainda, o presidente da República, em sua visita aos EUA, garantiu em encontro com ambientalistas norte-americanos que as disposições do decreto 750 serão mantidas em seu governo.
Por solicitação do governo brasileiro, a Unesco reconheceu uma larga parcela dos remanescentes de Mata Atlântica como uma ampla reserva da biosfera que se estende do Ceará ao Rio Grande do Sul. Esse é o mais alto reconhecimento que pode ser alcançado por uma área com essas qualificações em nível internacional.
Nessas reservas, deve-se buscar a harmonização entre a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentado. Especial atenção deve ser dada aos pequenos proprietários e aos grupos de cultura tradicional. São os ecologistas buscando integração com as necessidades da população, e, a essas discussões, estamos inteiramente abertos.
Ocorre que a proposta do Ministério do Meio Ambiente deixaria de fora, em quase todos os Estados envolvidos, áreas de grande importância inseridas dentro da reserva da biosfera da Mata Atlântica, criando nova frente de atrito.
O que mais nos preocupa nessa questão é o fato de serem as próprias autoridades de Meio Ambiente a propor o desrespeito ao primeiro e mais básico princípio de conservação, que é a manutenção da vida em todas suas expressões. A proposta de minuta de lei, como concebida, é um retrocesso que fere a lei, e esse princípio tem de ser necessariamente rejeitado pela sociedade.
Faço aqui um apelo aos seus autores para que a retenham e que promovam um amplo e aberto debate sobre uma política nacional para a Mata Atlântica, que contemple todos os aspectos sociais a ela relacionados, do qual participaremos com grande interesse. Há muitas ações em prol da Mata Atlântica que precisam ser executadas de imediato.

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