São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 1995
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Juros altos para sobreviver

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Esta semana, em reunião com líderes do PSDB de Goiás, o presidente Fernando Henrique Cardoso advertiu que as taxas de juro no Brasil terão de continuar elevadas por algum tempo.
``Governo que pega dinheiro no exterior para sobreviver (sic) não tem como baixar as taxas de juro de uma vez", explicou. Paradoxalmente, os juros considerados necessários à sobrevivência do governo representam um verdadeiro massacre para muitos consumidores endividados e boa parte das empresas privadas, especialmente as de menor porte.
É inegável que a explicação do presidente tem uma dose de verdade. Os juros altos e a escassez de crédito interno cumprem a função de atrair capitais especulativos externos e de forçar as empresas que podem fazê-lo a se lançar em busca de crédito em moeda estrangeira, o que vem permitindo cobrir o significativo desequilíbrio das contas externas e até mesmo recompor o nível das reservas internacionais.
No entanto, faltou reconhecer que os responsáveis por esta situação de dependência ``vital" de dinheiro externo são o próprio Fernando Henrique Cardoso, sua equipe econômica e seus sucessores no cargo de ministro da Fazenda.
Até meados de 1994, o Brasil apresentava uma posição de balanço de pagamentos razoavelmente forte, caracterizada por superávits comerciais elevados e equilíbrio aproximado no balanço de pagamentos em conta corrente (que inclui, além da balança comercial, juros da dívida externa, outros serviços e transferências unilaterais).
De julho do ano passado em diante, contudo, a ânsia de provocar uma queda rápida da inflação provocou uma reviravolta completa. Permitiu-se, como se sabe, uma fantástica sobrevalorização da nova moeda, combinando-a deliberadamente com uma aceleração da abertura às importações, feita de forma açodada, sem preparação adequada.
Muitos economistas são favoráveis à liberalização comercial acelerada; outros tantos preferem uma abordagem mais gradualista. Mas poucos aceitam que se combine abertura comercial rápida com apreciação cambial. A razão é que esta combinação, especialmente quando associada a uma expansão da demanda agregada interna, acaba produzindo déficits externos perigosamente elevados. A economia fica então à mercê dos humores e flutuações imprevisíveis dos mercados financeiros internacionais e submetida à necessidade de oferecer juros absurdamente elevados.
Foi exatamente isso que se praticou no Brasil de julho de 1994 até o início de 1995: maxivalorização cambial, liberalização comercial e forte expansão da demanda agregada. Receita infalível para produzir o que se viu: um estrago monumental na balanço de pagamentos em conta corrente. Quando forem publicadas as contas externas do primeiro semestre de 1995, constataremos, provavelmente, que o Brasil caminhava a passos largos para o grau de desequilíbrio que levou México e Argentina à asfixia cambial e financeira.
O Brasil embarcou tardiamente no processo de estabilização com âncora cambial; em compensação foi com muita sede ao pote.
Quais são as perspectivas para o segundo semestre? As medidas adotadas pelo governo na esteira do choque mexicano (aumentos drásticos de tarifas e regime de cotas para certas importações, controles draconianos sobre o crédito interno, altas taxas de juros, entre outras) devem resultar em melhor desempenho da balança comercial.
Além disso, embora o câmbio continue extremamente valorizado, a bem-sucedida operação de elevação e ampliação de banda cambial, realizada em junho, representou um passo importante na direção de uma política cambial mais flexível e permitiu superar definitivamente os traumas decorrentes do desastrado ajuste cambial de março último.
No plano internacional, verificou-se nos meses recentes uma relativa melhora do quadro financeiro, em função de uma certa estabilização da situação no México e na Argentina e, sobretudo, de um afrouxamento da política monetária nos EUA e da redução das taxas de juros de curto e longo prazos para operações em dólares.
Estes fatores externos, combinados com os juros de usurário praticados no Brasil, têm provocado superávits expressivos na conta de capitais do balanço dos pagamentos.
O risco, naturalmente, é que esta melhora no cenário financeiro externo estimule uma acomodação da política econômica e uma tendência a prolongar o período de convivência com o desalinhamento da taxa cambial. Mas parece difícil acreditar que isto possa acontecer.
Afinal, as lições da crise mexicana são de uma clareza cristalina e foram resumidas em declaração recente do secretário de Relações Exteriores do México: ``Duas novas (sic!) lições ficam claras: não se deve confiar muito na poupança externa, especialmente se é de curto prazo; e deve-se ter muito cuidado com a taxa de câmbio."
A rigor, não era necessário um desastre como o que ocorreu para chegar a essas ``novas lições", bastante triviais e velhas como Matusalém. Mas infelizmente é assim que as coisas se passam na América Latina.
Apesar dos progressos recentes, o Brasil ainda está com um regime cambial parecido com o que levou o México ao colapso: bandas cambiais relativamente estreitas, protegidas por taxas de juro elevadas e, quando necessário, pela colocação de títulos indexados ao câmbio.
Convém, portanto, acelerar a correção da taxa de câmbio. O Banco Central não deve demorar muito a promover nova elevação e ampliação da banda cambial. A desvalorização contribuirá para reduzir o superávit requerido na conta de capitais e para facilitar a indispensável diminuição das taxas de juro e o relaxamento das restrições ao crédito interno. Evitará, também, que o ajuste da conta corrente externa fique na dependência de uma contração severa do nível de atividade e de emprego.

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