São Paulo, sábado, 29 de julho de 1995
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STF reconhece a existência de tortura contra crianças

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Apesar de não haver no Brasil lei penal específica tipificando a tortura, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência jurídica do crime de tortura contra crianças e adolescentes no sistema penal brasileiro, e considerou constitucional o artigo 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente (leia quadro ao lado).
A questão é polêmica e dividiu os ministros do Supremo. A decisão foi tomada por seis votos a cinco no julgamento de um habeas corpus (instrumento processual que visa garantir a liberdade do acusado) impetrado por dois policiais militares.
Os policiais -acusados de espancar um adolescente, provocando-lhe lesões corporais, para dele obter a confissão de um furto- respondiam a um processo na Justiça Militar (por lesão corporal) e a outro na Justiça Criminal (por tortura). O STF mandou que eles fossem julgados apenas na Justiça Criminal, pois o crime de tortura absorve o de lesões corporais, e está fora das atribuições da Justiça Militar julgá-lo.
O ministro Celso de Mello, que proferiu o voto vencedor, argumenta que o artigo 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ``veicula um tipo penal cujos elementos claramente permitem qualificar a conduta" dos policiais militares como reveladora do delito de tortura.
Segundo o ministro, o crime de tortura só é admitido pelo sistema penal brasileiro quando a vítima é criança (pessoa com até 12 anos de idade) ou adolescente (entre 12 e 18 anos). Além disso é requisito essencial para a sua configuração o ``estado de submissão ou de dependência" em relação ao autor do crime.
Celso de Mello, em seu voto, conceitua o crime. Na sua interpretação, ``a violência física -ainda que geradora de meras lesões corporais leves- constitui um dos vários meios executivos de realização de tortura".
O ministro lembra também que os tratados internacionais sobre tortura ratificados pelo Brasil ajudam na compreensão da noção típica do crime de tortura.
Um dos ministros vencidos, Sydney Sanches, sustentou em seu voto que não há no Brasil lei que defina a tortura. ``Na verdade há vários projetos de lei no Congresso que procuram definir o crime de tortura, mas nenhum foi transformado em lei até agora", afirma.
E prossegue: ``É certo, por outro lado, que o Decreto nº 40/91 promulgou a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, mas ela obriga o Brasil a legislar sobre tortura,... o que está procurando fazer, com os projetos de lei, ainda em tramitação no Congresso".
Como a Constituição estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina, Sanches conclui que à falta de definição legal do crime de tortura, os policiais ``não podem ser processados pela conduta prevista no artigo 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente".
``O policial militar que, a pretexto de exercer atividade de repressão criminal em nome do Estado, inflige, mediante desempenho funcional abusivo, danos físicos a menor, eventualmente sujeito ao seu poder de coerção, valendo-se desse meio executivo para intimidá-lo e coagí-lo à confissão de determinado delito, pratica, inequivocamente, o crime de tortura tal como tipificado pelo artigo 233 do ECA", diz o acórdão (decisão do tribunal).

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