São Paulo, sábado, 29 de julho de 1995 |
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Provincianismo derruba o escultor
LUÍS ANTÔNIO GIRON
A mostra Rodin deu lucro, talvez pela primeira vez na história das artes plásticas no Brasil. Foi tamanho que o MNBA resolveu aplicar o dinheiro da venda dos ingressos -cerca de R$ 200 mil- em outra megaexposição. Em contato com a Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, optou por uma grande retrospectiva das obras do escultor Aleijadinho e do pintor Ataíde, ambos mineiros e quase parte da paisagem das cidades históricas. No rastro de Rodin, pensaram os idealizadores do evento, Aleijadinho e Ataíde conquistariam Rio, São Paulo e já havia planos para que as obras fossem mostradas no Museu Rodin de Paris. O curador do evento, Luiz Augusto, escolhia as obras, espalhadas pelas cidades históricas. O governo mineiro empreendeu até mesmo uma ``campanha de conscientização" da população de Congonhas do Campo, tradicionalmente avessa à saída das obras de Aleijadinho de sua paisagem. A idéia mais mirabolante do curador era juntar a ``Santa Ceia", de Ataíde, pertencente ao Colégio Caraça, e a ceia dos ``Passos da Paixão", parte do conjunto de esculturas em madeira que se sucedem teatralmente num ciclo na área externa da catedral de Congonhas do Campo. A campanha começou. Faixas, programas de rádio, excursão da turma da secretaria à cidade. Até o cardeal de Minas, Dom Luciano Mendes de Almeida, liberou as obras. Era 21 de junho, nove dias antes da inauguração programada, quando os sutiãs apareceram e puseram tudo a perder. O sonho da mega se desfez numa reunião na Câmara dos Vereadores, com a presença do prefeito da cidade. Salão nobre lotado, clima tenso, a população repetia a história como marra. Não queria liberar Aleijadinho. Mas os motivos eram frágeis, provincianos, o principal deles o medo de que os cariocas ficassem com as peças, devolvendo réplicas tão perfeitas que a população não descobriria a diferença. Faltava, porém, o impulso irracional que desencadeasse a ruptura definitiva. Ele veio do prefeito, que, solene, proferiu: ``Um museu que tem a coragem de expôr sutiãs não merece abrigar a obra sagrada de Aleijadinho!". Pronto. Foi a gota d'água. Sim, é isso mesmo! Os representantes da população vidraram os olhos no sofisma e outra vez Aleijadinho foi proibido de ir a Paris. E poderia haver motivo mais abstruso e definitivo do que o do sutiã? De fato, a mostra ``O Sutiã" sucedeu a de Rodin no MNBA e faz o mesmo na Pinacoteca em São Paulo. É uma exposição organizada pelo colecionador italiano Samuelle Mazza. Os 231 artefatos femininos levaram 5.000 visitantes no Rio e prometem o dobro de público em São Paulo. Os sacros Aleijadinho e Ataíde viriam logo depois. Voltemos ao olhar vítreo da população fanática de Congonhas do Campo em 21 de junho. Querem segurar as estátuas, prontas para pegar as malas e viajar pelo mundo. O sutiã foi razão bastante pesada para fixá-las à paisagem, torná-las mais estáticas do que tencionava quem as concebeu. Pensando bem, o decoro católico é avesso à exibição de peças íntimas e, pode-se até supor, as peças sacras estariam indiretamente expostas aos resquícios de raios profanos deixados pelos sutiãs nos salões do MNBA e da Pinacoteca. A fúria neocolonial congonhana se choca com o sonho de Rio e São Paulo de repetir o sucesso da megaexposição de Rodin. Se este fosse mineiro, talvez ``O Pensador" estivesse até hoje obscurecido, encarapitado e cabisbaixo em uma escada de igreja. Texto Anterior: Mostra de Aleijadinho vai acontecer, diz museu Próximo Texto: Tom Sawyer e Huck Finn estão de volta Índice |
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