São Paulo, sábado, 29 de julho de 1995
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O passado geme

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - O passado político mais recente do Brasil é um defunto enterrado vivo. Um cadáver que, do túmulo, lança gemidos que se insinuam no presente. O problema dos desaparecidos políticos é o som mais incômodo do nosso passado.
Cedo ou tarde tínhamos de dar ouvidos a essa voz por vezes inarticulada. Se não por razões políticas, ao menos por uma questão humanitária. É o que está tentando fazer agora o Ministério da Justiça.
Incumbido de elaborar um projeto sobre o tema, José Gregori, chefe de gabinete do ministro Nelson Jobim, fez um bom trabalho. Sua proposta é tão boa que desagradou às duas partes envolvidas na questão: as famílias dos desaparecidos e as Forças Armadas.
Os familiares reclamam principalmente da timidez da lista elaborada por Gregori. Acham que é superior a 136 o número de desaparecidos com direito a indenização do Estado.
Os militares queixam-se do pagamento de indenizações. Acham que, neste caso, também os familiares de soldados e oficiais mortos pela guerrilha deveriam ser beneficiados. Reclamam também do trecho do projeto que permite a uma comissão organizar diligências para localizar corpos de desaparecidos.
A maior virtude do projeto é a de situar a solução no meio. Se agradasse a qualquer das partes, correria o risco de ser eticamente injusto e politicamente inviável.
Excluíram-se da lista militantes mortos em combate. Se pegaram em armas, sabiam que corriam riscos. De resto, houve vítimas também nas fileiras do Exército.
Impossível deixar de indenizar, porém, famílias como a de Rubens Paiva. Quando sumiu, o ex-deputado não se encontrava no Araguaia. Tampouco estava armado. Caminhava pelas ruas de uma inofensiva Ipanema.
É desprovido de lógica, portanto, o argumento verde-oliva de que não cabe qualquer tipo de indenização. O bom senso recomenda que, reconhecida a falha, seja provida a reparação.
Depois de vencida a inevitável e até desejável discussão, o Brasil deveria pôr de lado o passado. Quem olha muito para trás ou tropeça ou acaba ganhando um torcicolo.

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