São Paulo, sábado, 29 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Economia convalescente

ROBERTO MACEDO

Respondo sim, porque não há condições de manter o ritmo com que a economia vinha crescendo, mas com desequilíbrios que poderiam conduzi-la a uma crise. Destaco dois deles. Primeiro, a inflação que poderia continuar subindo; segundo, o déficit da balança comercial. Seria como pegar uma pessoa com febre e problemas cardíacos e forçá-la a exercícios rápidos. Acabaria tendo um treco, na forma de uma crise cambial, e outro, uma inflação ascendente, abrindo caminho para o Real 2.
Mas discordo de vários aspectos da política em andamento, a começar pelo fiscal, que ainda inspira desconfiança. O governo Itamar perdeu uma grande oportunidade de deixar a situação equacionada. Depois da saída de Collor, houve um forte aumento das receitas governamentais, mas praticamente tudo foi gasto em dobrar a folha de pagamentos e os benefícios previdenciários. De acréscimo, cerca de R$ 30 bilhões!
Não conseguindo segurar seus gastos, o governo procura conter o consumo privado, com políticas de contenção de crédito. Sei que é difícil, mas, enquanto não houver evidências de o governo cortando a própria carne, essa questão fiscal não vai se acertar.
Cavallo sabe fazer essas coisas. Recentemente, recebi a visita de altos funcionários argentinos. Na conversa, reclamaram que tiveram um corte de salários. Informei que não tínhamos vagas.
Nessa contenção da demanda privada, há outras coisas equivocadas, como limitar os consórcios de prazo longo e até proibir os de eletrodomésticos. Ao contrário, o governo deveria permitir consórcios longos, sem lances, limitando o número de grupos, porque isso expandiria o autofinanciamento e deslocaria a demanda para o futuro.
Com isso, evitaria que ela recorresse ao financiamento de curto prazo, disputando recursos e contribuindo para elevar ainda mais os juros. Seria também uma alternativa para o povão, que é quem paga os juros mais altos, só que a coisa não aparece nos índices de preços, calculados a partir dos preços à vista, e assim parece não incomodar o governo.
Os juros também estão altos demais, a velha razão sendo a ausência de um ajuste fiscal consolidado, e a nova, a necessidade de trazer dinheiro de fora para financiar o déficit da balança.
Para seu ajuste, preferiria uma combinação de aperto fiscal com elevação da taxa de câmbio, junto com restrições às importações financiadas a prazo longo. O aumento de tarifas deveria ser menor e mais geral, e o uso de cotas é uma aberração, ainda mais quando sobre insumos, como na Zona Franca de Manaus, com importações de bens finais sem cotas correspondentes e até sem tarifas, como no caso do Mercosul.
A abertura comercial está muito escancarada, a política monetária ainda passiva, os ministérios econômicos um tanto desarticulados -como na discussão da reforma tributária-, a sociedade deve ser melhor informada sobre a necessidade de reformas, e a agricultura está atuando exageradamente como âncora dos preços e pode se vingar no ano que vem. Enfim, há essas restrições e poderia ainda ampliá-la.
O sim vale, portanto, para uma política, que deve ser outra ou mesmo esta, se corrigidos seus problemas. Sem isso, pode levar a um desaquecimento prolongado ou mesmo a uma recessão, sem efeitos sobre os desequilíbrios apontados. Mas, quanto à necessidade de correção destes, não há como dizer não, pois a economia continua doente e requer repouso e tratamento. Uma alta precipitada só agravaria seu estado e exigiria uma reinternação para um tratamento bem mais desagradável.

Texto Anterior: NOVA ETIQUETA; FOGUEIRA DAS VAIDADES; SEM IMPORTÂNCIA
Próximo Texto: Remédio certo, dosagem errada
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.