São Paulo, sábado, 29 de julho de 1995
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Remédio certo, dosagem errada

NEY BITTENCOURT DE ARAUJO

O governo tem duas prioridades essenciais: combater a inflação com estabilização da moeda e retomar o desenvolvimento econômico. Aparentemente, tais tarefas podem ser conflitantes. Apenas aparentemente. Em uma economia estável, em que o custo do dinheiro se comporta de maneira civilizada, é possível trabalhar com empréstimos a longo prazo, uma vez que há confiabilidade para captação -e poupança- de recursos externos e internos.
Para isso, há que existir um modelo de desenvolvimento auto-sustentado, aproveitando as vantagens competitivas que o país apresenta. O Chile, possivelmente, é um país que pode mostrar resultado dessa estratégia, após 15 anos de esforços penosos e sofridos.
Nosso caminho de recuperação mal começou. Ainda há disparidades nos vários segmentos da economia, que não permitem admitir a existência de uma estabilidade econômica real, precondição para a tomada do desenvolvimento.
Dentro dessa ótica, qualquer processo acelerado de crescimento da economia ameaça de frente o processo de contenção inflacionária. Nosso crescimento recente precisava ser contido, sob pena de retomada da espiral inflacionária e, nesse ponto, o governo está certo. Mas, se acertou no remédio, errou na dosagem, podendo comprometer todo o esforço feito até agora, mesmo a curto prazo.
Além disso as pressões sobre a economia foram totalmente desequilibradas. A recessão artificial provocada na agricultura -resultado da combinação de sobrevalorização cambial, importações de produtos agrícolas subsidiados na origem, juros altos e falta de recursos para o prolongamento do fluxo da safra- pode comprometer, já em 1996, as metas de contenção da inflação.
A comida, principal instrumento de contenção da inflação este ano, será a vilã ano que vem. Já vimos esse filme em 1988, rescaldo do Plano Cruzado, e em 91, fruto do Plano Collor.
Além disso, a abertura da economia foi feita sem negociação: enquanto expusemos nosso mercado aos produtos competitivos do Primeiro Mundo, permitimos que eles protegessem seus mercados não-competitivos -especialmente os do agribusiness, onde somos mais eficientes -em US$ 340 bilhões, só em 1994 (dados da OCDE, citados no ``The Economist").
Além disso, o governo andou mal naquilo que é de sua responsabilidade direta: atraso nas privatizações e reforma da máquina do Estado. Nesta última, os dados disponíveis demonstram um inchaço da máquina do Estado -improdutiva- a partir de Itamar.
Principalmente em Estados e municípios. Ouvimos estupefatos que uma dívida de US$ 6 bilhões do Banespa foi renegociada para um prazo de 20 anos. Estes mesmos US$ 6 bilhões, se jogados na agricultura em um prazo de três anos, solucionaria toda a crise que ameaça a próxima safra.
Há que se conter a economia. Mas até agora as maiores vítimas -agricultura e construção civil- são justamente as que mais empregam. E é nesse contingente que se encontra a grande fatia da população de baixa renda, mais afetada pela recessão. A reengenharia da política de contenção é urgente.

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