São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
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Hippie da década de 70 cria 'patricinha'

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

A mãe vivia em regime comunitário, na década de 70, com muita paz, amor e cabelo debaixo do braço -era hippie. A filha passa os dias em shopping center, frequenta cabeleireiro (e depiladora) e adora música eletrônica.
A contestadora dos festivais de rock criou uma filha que ouve Pet Shop Boys, namora mauricinhos e é viciada em joguinhos de computador. É uma ``bomba consumista" -tão politicamente incorreta quanto a Guerra do Vietnã.
``Cada um faz o que quer na minha casa", afirma a cantora Baby Consuelo, 43, ainda fiel à filosofia que a fez fugir de casa em 1969, aos 16 anos, para ir morar debaixo da ponte do Piatã, em Salvador (leia depoimento ao lado).
A mais velha dos seis filhos de Baby, Sarah Sheeva, 22, nasceu em uma comunidade onde as pessoas se vestiam com calças Lee rasgadas, túnicas indianas e espelhos na testa -talvez por isso, escolheu para si um modelo que chama de ``chique total":
``Adoro um tailleur, jóias, conforto", diz Sarah Sheeva, que quer ser estilista.
Material para pesquisa é o que não vai faltar a ela. O espelho na testa, que Baby escolheu como símbolo (``eu me via através de mim mesma"), vinha acompanhado de metade de um volante de Fusca, que ela prendia na cabeça. Quando não estava descalça, ela usava tamancos ``de quitanda".
``Dá um trabalho de reciclagem incrível", reconhece Sheeva. Ela se dá muito bem com Baby, mas também pretende sair de casa assim que puder.``Quero estudar em Nova York."
Geograficamente, mudou tudo. Na época de Baby, o quente era ir para o Nordeste, frequentar praias desertas e comprar acessório em feira de artesanato.
``Cansei de descer o (rio) São Francisco de barca, dormindo em rede, me hospedava em casa de pescador, nadava pelada e só comprava minhas pulseiras e colares na feira de Caruaru (PE)", recorda a empresária paulista Maria Luiza de Campos Vergueiro, 33.
Ao contrário de Baby, ela não se conforma com a filosofia materialista de sua filha Isabel, de 13 anos.
A menina frequenta o cabeleireiro regularmente, só se veste com roupas de grife e adora música americana. ``Ela só não é patricinha porque eu não deixo", conta Maria Luiza.
A empresária sustenta a teoria de que para cada mãe hippie existe uma filha patrícia e vice-versa.
A escritora Leilah Assunção, 52, concorda e dá o exemplo. Ela foi ``hippie de mesada", sustentada pelo pai em Londres ``na época do exílio", mas quando sua filha Camila, de 14 anos, nasceu, ela já tinha assumido um estilo ``dramaturga arrumada, mulher de banqueiro".
Resultado: a menina é de uma conduta espartana. Chama Leilah de ``burga" (em alusão à burguesia) e quando a mãe pediu a ela que lhe comprasse um casaco de lã especial, em uma viagem a Londres, Camila se recusou terminantemente por causa do preço.
``Ela disse que nem morta pagaria aquilo pelo cashmere", lembra a ex-hippie, inconformada.
Os saudosistas explicam a diferença entre a geração dos anos 70 e a de Camila.
``Não há mais ideologia. As mulheres buscam uma identificação, mas é tudo massificado. A única conquista que sobrou para elas foi a do mercado de trabalho", diz a estilista carioca Marília Valls, 67, dona da extinta butique Blu Blu -que, naquela época, ditava estilo a alguns hippies de Ipanema e muitos psicodélicos.
``Hoje, ou as mulheres fazem o estilo ministra, tipo Zélia, ou se vestem de apresentadora de TV", lamenta. ``Os dois são muito mais úteis quando se procura um emprego."

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