São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
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``Strip-tease" tributário

OSIRIS LOPES FILHO

Finalmente, após tantas manobras e encenações, marchas e contramarchas, o governo federal começou a abrir o jogo em matéria tributária.
Vai propor a instituição da Contribuição sobre Movimentações Financeiras, recauchutagem do Imposto sobre Movimentações Financeiras (IPMF), já morto.
O ``strip-tease" governamental acelerou-se. Antes o ritmo era o nhenhenhém enfadonho e irritante e desafinado e chato.
Agora mudou. A proposta oferecida tem o misto da associação do oportunismo com o recato típico da pudicícia, que torna cativantes os espetáculos pornográficos.
A imagem de credibilidade do ministro Jatene e a finalidade humanitária da aplicação dessa contribuição -financiamento da saúde- dão o apelo altruístico e puritano à proposta.
O oportunismo se revela pelo pragmatismo despudorado da adoção de soluções arrecadatórias fáceis, embora indecentes, irracionais e injustas. A política decantada de diminuição do chamado ``custo Brasil" vai para o beleléu.
O mau-caratismo se revela diante do propósito já anunciado de desonerar as exportações dos produtos semi-elaborados, que têm a incidência do ICMS. Caridade com o bolso alheio.
A incidência do ICMS sobre produtos semi-elaborados foi uma reivindicação dos Estados de produção primária com vocação exportadora, garantida pela atual Constituição, para assegurar sua estabilidade financeira. O atual governo federal pretende inverter tal situação para baratear o ``custo Brasil".
Todavia, a Contribuição sobre as Movimentações Financeiras onera todo o processo produtivo, o de comercialização e o de consumo no país. Ela é pior, em seus efeitos perversos, do que a Cofins, que incide sobre o faturamento, pois grava qualquer movimentação financeira, inclusive a simples retirada de dinheiro por pessoa física na conta corrente bancária.
A tributação indireta no país (IPI, ICMS, ISS, Cofins, IVVC) situa-se, em média, em 30% do preço final da mercadoria. Agravá-la com essa contribuição, cuja alíquota nominal parece módica (0,25%), mas que, pelo efeito cumulativo, pode ser multiplicada de cinco a dez vezes em termos de incidência efetiva, é tripudiar maquiavelicamente sobre o povo.
Essa ressuscitação do IPMF vem dar razão à crítica dos setores conservadores e experientes, que à época de sua implantação nunca acreditaram na sua provisoriedade. Entendiam que o apetite voraz do Estado haveria de acostumar-se com a mordida e tentariam eternizá-la. É o que se faz agora despudoradamente.
A carga tributária individual (das pessoas físicas e empresas) é tão elevada que se tornou indecente. A evasão é uma vergonha.
A tal situação constrangedora, o presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Marcos Vilaça, acrescentou um dado decisivo. A carga tributária global, que é o somatório de todos os tributos existentes, ultrapassou em 1994 a barreira dos 30% do PIB, segundo apuração feita pela instituição que preside. Historicamente, a carga tributária brasileira oscila entre 23% e 25% do PIB. O salto foi espetacular.
Criar novo tributo basicamente indireto, num momento em que o crescimento real da arrecadação federal nos últimos dois anos mais que dobrou e em que o povo tem demonstrado que já está numa fase de rejeição absoluta à criação de novos tributos, é demonstração de avidez irrefreada da União e desrespeito aos compromissos eleitorais da campanha presidencial.
Pode ser que se esteja, nesta época de império do marketing, tentando-se vender a idéia de financiamento da saúde com a mesma desfaçatez com que se denominou de Fundo Social de Emergência a destinação de recursos capados dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e que terminou sendo utilizada para comprar goiabada para o Palácio do Planalto.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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