São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 1995
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O rock é e sempre foi coisa de bicha, por definição

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Rock é coisa de bicha. Sempre foi. Aliás, é argumentável que dois terços do rock que prestou em toda a história foi produzido por bichas.
É, bi-cha. Ou viado, com i. Não é porque todo mundo comprou essa terminologia escrota, ``gay", que eu também preciso ser politicamente correto, certo? Nunca vi ninguém chamar, no dia-a-dia, um bicha de gay.
Enfim. Rock é uma coisa meio bicha, por definição. Esse negócio de querer aparecer, de ser rebelde, rebolar e mostrar a todos como sua sensibilidade é aguçada -meio perobinha, não?
Little Richard, John Lennon, Mick Jagger, Pete Townshend, Brian Wilson, Jim Morrison, David Bowie, Lou Reed, Freddy Mercury, Marc Almond, Klaus Nomi, Prince, Michael Stipe, Morrissey, Bob Mould do Sugar, e uma legião de outros que não me deixam mentir.
Ser homossexual não era uma questão política até muito recentemente (aliás, provavelmente continua não sendo). Quem queria ser homossexual (ou bi, e bissexual é bicha, sorry) era e boa. Escondia se fosse o caso, assumia se tivesse espaço ou fosse interessante por alguma razão.
Hoje, os homossexuais querem ter os mesmos direitos dos heterossexuais. Os negros querem ter os mesmos direitos dos brancos. As mulheres querem ter os mesmos direitos dos homens.
E pra beber, não vai nada?
Caro leitor, reparto com você esta pérola de sabedoria: ninguém tem direito a coisíssima nenhuma. Quem mora debaixo da ponte não tem direito à fortuna do Bill Gates.
Quem é gay vai continuar enfrentando preconceitos, e faz pouquíssima diferença se ter preconceito é contra a lei.
Quando eu era garoto, a maioria esmagadora dos fãs do Queen nem imaginava que o Freddy Mercury era viado. Ele nunca assumiu direito, provavelmente porque não achava interessante comercialmente.
Mas teve fama e fortuna suficientes para se permitir fazer o que bem entendesse e dar todas as bandeiras possíveis. Acho Freddy Mercury supercool.
Hoje, qualquer pseudinho como aquele Brett Anderson do Suede já afeta falsa bichice, dizendo ser ``um bissexual que nunca teve uma experiência homossexual".
Qualquer modelo tonta que dá uma bicota em outra já quer os privilégios de ser ``lesbian chic". E nos cérebros de minhoca de certas bichas ``modernas" e ``descoladas", ser bicha já é o suficiente para merecer um tratamento especial.
``Uau", se assusta o leitor, ``esse cara é preconceituoso mesmo".
Bom, agora é hora de dar aquela pelegada, bater no peito e dizer ``e olha que alguns dos meus melhores amigos são homossexuais".
Bom, não. Amizade, OK, mas não tenho intimidade com nenhum homossexual. Mas dou meia pelegada dizendo: pouco me importa como ou com quem você transa.
Não tenho o menor interesse sobre a vida sexual do próximo (a não ser que o próximo seja famoso e sua vida sexual, exótica. Ninguém é perfeito).
O importante para você, leitor homossexual, é ter consciência que ser homossexual não te garante tratamento vip. Aliás, nem tratamento igual. Os ricos tem privilégios sobre os pobres, os brancos sobre os negros, os homens sobre as mulheres, os bonitos sobre os feios, os heterossexuais sobre os homossexuais.
É duro? É injusto? É a vida.

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