São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Montalbán reconta vida de revolucionário basco

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Manuel Vázquez Montalbán, conhecido escritor espanhol de romances policiais, nasceu em Barcelona, em 1939. Sua criação mais famosa é o detetive Pepe Carvallo, protagonista de vários de seus livros. ``O Profeta Impuro" (1991) é seu segundo romance publicado no Brasil (o outro é ``Assassinato no Comitê Central", 1981).
``O Profeta Impuro" (Cia. das Letras) é texto de fundo histórico, biografia romanceada de Jesús de Galíndez (1915-1956), jurista, escritor e militante do movimento separatista basco que, depois da Guerra Civil espanhola, se exilou na França e nos EUA, onde foi organizador de grupos antifranquistas, representante do Partido Nacionalista Basco (PNV) na ONU e junto ao departamento de Estado americano.
Para contar a história de Galíndez, Montalbán investigou centenas de documentos relacionados à vida do revolucionário, desde sua infância no País Basco até seu misterioso desaparecimento, tido como sequestro, em setembro de 1956, em Nova York.
Galíndez foi sequestrado dias depois de ter apresentado, na universidade de Columbia (Nova York), uma tese sobre o ditador dominicano Trujillo. Desde então, nunca mais se ouviu falar dele, e supõe-se que tenha sido morto pela polícia política de Trujillo.
Na versão do escritor espanhol, à la Truman Capote, Galíndez aparece vinculado à CIA e ao FBI, como suposto agente duplo. A história acontece parte nos Estados Unidos, parte em terras bascas.
O texto de Vázquez Montalbán recupera um pouco da língua basca, uma das mais complicadas do mundo, aglutinante e datando do neolítico, ainda falada no litoral do País Basco. A recuperação é superficial, restringindo-se à decodificação de vocábulos. Mesmo assim, é curiosidade importante para compreender o universo ``vasconço", o real e o ficcional.
Ambos estão impregnados da aura do movimento separatista basco (ETA), que luta pela autonomia da região, situada no noroeste da Espanha, entre a baía de Biscaia e os Pirineus ocidentais. Em 1937, as forças do ditador Franco bombardearam Guernica, aldeia-símbolo do povo basco, imortalizada então por Picasso, em quadro do mesmo nome.
O melhor do texto de Vázquez Montalbán é a matéria ficcional, que revela uma prosa vigorosa, ágil, de personagens inteiros, convincentes. A protagonista é uma pesquisadora americana que prepara uma tese de doutorado -``A Ética da Resistência: o Caso Galíndez"- sobre o militante.
O foco narrativo, com predominância da segunda pessoa do singular, transforma o narrador numa espécie de diretor de cinema, a dirigir sua história em parte policial, de suspense cinematográfico.
Os personagens secundários contracenam com a protagonista tratada o tempo todo por ``você", criando uma atmosfera de julgamento histórico generalizado -como se não somente Galíndez fosse julgado, mas também narrador e protagonista.
O ponto fraco do romance é o material histórico-biográfico, que beira a cópia pura e simples do documento e cai no lugar-comum desse tipo texto. Há uma excessiva discussão acadêmica de certos temas, que chega às raias do exibicionismo e ofusca o enredo propriamente ficcional.

Texto Anterior: Peça de Pinter leva Julie Christie ao teatro
Próximo Texto: Babenco monta ``Cenas de um Casamento"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.