São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 1995
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Arrocho perverso

A queda da inflação revelou uma sede de consumo que poucos imaginavam capaz de manifestar-se com tamanho vigor. Lado a lado com a recuperação do poder de compra dos salários, houve uma autêntica hipertrofia do crédito.
Não demorou muito para que o governo percebesse o fenômeno. Veio a elevação dos juros e, principalmente, a montagem de um extenso sistema de restrições às operações de crédito, leasing, consórcios e desconto de cheques.
Entretanto, se o desaquecimento tornou-se condição necessária para o sucesso do real, os juros altos e o arrocho de crédito são perversos.
Um exemplo de desvirtuamento da política monetária está no fato de que bancos e empresas, especialmente as de grande porte, escapam aos juros altos e aos compulsórios sorvendo avidamente recursos externos. Repassam então esse crédito a clientes e consumidores. Conclusão: os juros altos castigam principalmente as contas públicas e as empresas menores, que não têm acesso a fundos externos.
Os agentes econômicos mais poderosos buscam no crédito externo mais barato a alternativa que relativize a política monetária restritiva.
No campo das distorções que aumentam a ineficiência e a desigualdade a lista é extensa e cresce também a cada dia -do agiota ao financiamento do consumo por meio da comercialização de ``tíquetes", passando pela conhecida prática dos cheques pré-datados.
São cadeias extensas, desregulamentadas e frágeis. Socialmente perversas, corrompem a política oficial de arrocho financeiro.
Nem hipertrofia nem hipotrofia, o crédito parece nascer de impulsos que, se de um lado revelam o dinamismo da economia brasileira, de outro também a fragilizam.
Comprova-se afinal a tese, tantas vezes repetida, de que a estabilidade exige um autêntico ajuste fiscal. Sem isso, sobrecarregar o instrumento monetário pode até produzir desaquecimento, mas à custa de um estresse enorme das instituições e de uma deformação progressiva das relações contratuais.

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