São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 1995
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Futuro natimorto

Emprega-se o termo ``guerra civil" para qualificar conflitos armados entre grupos étnicos ou facções políticas no interior de um mesmo país. Muitas vezes, as guerras civis são marcadas por atrocidades que nada ficam a dever às dos grandes conflitos internacionais.
Mas esse tipo de luta intestina parece assumir hoje, muitas vezes, e diferentemente do que ocorre na Bósnia ou em Ruanda, modalidades mais sutis que a convencional, capazes de camuflar a dramaticidade de suas proporções.
A dimensão dos dados apresentados na semana passada pelo IBGE, relativos ao perfil socioeconômico da infância no Brasil, faz imaginar que em certa medida vivemos em nosso território uma guerra civil tentacular e silenciosa, cujas vítimas preferenciais são as crianças.
Considerando-se a agravante de que as cifras são ainda de 91, a pesquisa informa que aproximadamente 9,4 milhões de crianças de até seis anos pertencem a famílias cujo chefe ganha até um salário mínimo, e 5,6 milhões na mesma faixa etária estão sob responsabilidade de alguém que recebe até dois salários mínimos por mês. De todas, 1,4 milhão vivem em favelas. O fato de nessas famílias outros membros às vezes também trabalharem, nas mesmas condições de sub-remuneração, não altera esse quadro, ao qual se associa fatalmente todo tipo de flagelo social que vitima o futuro da infância.
Um mecanismo de mutilação -representado por políticas oficiais sempre omissas em relação à infância, e por disposições psicossociais avessas ao que não é de interesse imediato- perpetra um funesto destino às crianças.
Além das genéricas declarações de prioridade nos discursos pré-eleitorais, o problema da infância no Brasil hoje requer programas sistemáticos e pontuais de neutralização de todos os fatores que sentenciam crianças à exclusão social.
Já se registram hoje louváveis projetos privados, como os da Fundação Abrinq (``Nossas Crianças"), da Usina Macaraí (``Projeto Futuro"), da Fundação Bradesco, de Salvador (``Projeto Axé"), o de Jundiaí (``Aldeia M&M Tanzi") e o de Cananéia (``Direito à Convivência Familiar e Comunitária).
Estes e outros, que propiciem também parcerias entre empresariado e poder público, devem ser enfaticamente incentivados.

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