São Paulo, terça-feira, 1 de agosto de 1995
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Plantando, dá

LUÍS PAULO ROSENBERG

Virou lugar comum atacar a agricultura brasileira. O setor é visto como pedinte de subsídios, composto por sanguessugas da pátria, que manipulariam seu privilegiado papel de supridores absolutos de alimentos, como forma de chantagear a sociedade.
O próprio presidente colabora nesta direção, ao chamar os agricultores de caloteiros, generalizando para milhares uma acusação que, na verdade, aplica-se apenas a algumas dezenas deles.
O caminhonaço ocorrido em Brasília há alguns dias, apontam os críticos do setor, marcaria bem o espírito anárquico e contestador das lideranças rurais, tentando perturbar o clima de modernização econômica.
Não faltam mesmo os que apontam a bancada ruralista como foco do pensamento retrógrado no Congresso. Já é mais do que hora de começarmos a demolir esses mitos, antes que a frustração da safra 1995-1996 leve o Plano Real para o esgoto.
De início, é importante lembrar que um neoclássico xiita, daqueles que defendem a privatização até da polícia, seria o primeiro a destacar como o papel mais importante do Estado, numa economia totalmente liberalizada, o da diminuição da incerteza.
Ou seja, o Estado minimalista deveria procurar clarear o horizonte de planejamento para o empresário, que assim estaria liberado para exercer seu dom privilegiado: tomar riscos.
Esta distinção entre incerteza (o cenário onde o evento inesperado ocorre) e risco (situação em que se conhece a probabilidade de ocorrência dos possíveis eventos por acontecer) é fundamental para entender porque economias que há séculos praticam o capitalismo tratam a agricultura diferenciadamente.
Na verdade, o agricultor não tem teto sobre sua unidade de produção. São Pedro, portanto, desempenha um papel de fradinho no seu processo produtivo, que deve ser compensado pela ação governamental, sob pena de a produção do setor ficar aquém do socialmente desejável.
Daí porque o crédito do setor recebe, generalizadamente, financiamentos subsidiados, mobilizam-se políticas de estoques reguladores e garantia de preços mínimos e o governo tende a complementar a intermediação privada, quando incipiente.
Ao contrário do que pensam alguns economistas que tocam de ouvido, a intervenção estatal no setor agrícola deve não apenas ser tolerada, mas estimulada.
É inadmissível a degradação da imagem da agricultura que se fomenta no Brasil. No mundo inteiro, o setor é tratado com a gratidão reservada aos símbolos básicos da cultura nacional. Assim, Japão, França e Bélgica, por exemplo, iriam à guerra econômica, se necessário, em defesa das idiossincrasias do setor.
A sociedade sente-se solidária com os ruralistas, que vivem no campo mais espartanamente, submetidos ao inflexível calendário agrícola. Enquanto aqui, apesar de ser o setor mais competitivo da nossa economia -o que sempre concorreu pau-a-pau com economias do Primeiro Mundo, apesar de comprar insumos, tratores e implementos encarecidos por anos de reserva de mercado-, é tratado como se só sobrevivesse de favor.
Não subestimemos a urgência do problema. O câmbio aviltado, praticado até poucos meses atrás, e as taxas de juros inadmissíveis, que até hoje o Banco Central impõe, formaram uma pinça que estrangulou a agricultura. Descapitalizada, ela exige socorro.
Mais importante do que o aspecto contestatório, o caminhonaço de Brasília é um grito de alerta de desesperados, tão autêntico e legítimo que sequer precisou de lideranças para galvanizá-los.
Pragmaticamente, no Brasil, às frustrações de safras, no passado, corresponderam, concomitantemente, surtos inflacionários importantes. Somos muito grandes para nos abastecermos nos vizinhos, quando quebra nossa safra, e muito distantes para recorrermos à Europa ou à América do Norte, sem sermos sangrados pelos custos de transporte.
Em agosto, nosso agricultor tem de saber como serão as condições de financiamento da próxima safra, para se preparar adequadamente para o plantio. Remover a canga da TR assassina que o próprio governo engordou e assegurar recursos para financiar o custeio são as medidas mais importantes e urgentes para a sobrevivência do real.
Os preços agrícolas, no atacado, estão subindo, nas duas últimas semanas a taxas mensais, no ponta a ponta, próximas de 10%, oferecendo-nos uma avant-première do que acontecerá em outubro e novembro, se as previsões de safra de então não indicarem, pelo menos, 70 milhões de toneladas de grãos.
Ainda há tempo de cairmos na tentação de fazer a coisa certa.

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