São Paulo, terça-feira, 1 de agosto de 1995
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Irregularidades e incompetência na privatização da Escelsa

LUIZ PINGUELLI ROSA

Cometo aqui a ingenuidade de supor que o governo assimile críticas. Não se trata de manter intacto o papel do Estado, mas de discutir um modelo institucional para a participação privada na energia elétrica. Na venda da Escelsa, empresa elétrica federal do Espírito Santo, foram pagos em dinheiro R$ 220 milhões.
Mas a empresa tem em caixa R$ 70 milhões e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) vai ``securitizar" para ela R$ 198 milhões nas contas a compensar (CRC) da Eletrobrás. E foi feita compra antecipada de energia de Furnas para a Escelsa, de R$ 36 milhões.
De fato, o valor da empresa, avaliado pelo BNDES por meio do fluxo de caixa descontado, era cerca de R$ 600 milhões. Para ter o controle acionário basta mais de 50% das ações que foram compradas no leilão por R$ 338 milhões, sendo R$ 118 milhões pagos em papéis (moeda podre).
A empresa vem aumentando sua receita acentuadamente e tem havido aumento da tarifa média, colocando em dúvida a projeção do fluxo de caixa feita pelo BNDES. Ademais, do edital do leilão só constava concessão para energia elétrica, mas um segundo edital incluiu telecomunicação, sem ser reavaliado o fluxo de caixa.
A receita crescerá com o simples aluguel das torres ou do uso da rede instalada para passagem de cabos de telecomunicação, inclusive de fibras óticas.
O artigo 175 da Constituição determina que a transferência de concessão deve ser feita pela União por meio de licitação. A lei 8666 estabelece as modalidades de licitação. O leilão é restrito à venda de bens inservíveis ao Estado. Uma concessão é uma responsabilidade que a União delega.
Não é o caso de uma siderúrgica ou outra fábrica. Pode faltar o produto ou a fábrica ser fechada após ser privatizada, como fez uma empresa no Nordeste. Mas, se faltar luz, as cidades ficam às escuras, os hospitais param, indústrias não produzem.
Por isso, a licitação de serviço público tem de ser feita por concorrência pública. A lei de concessões, recente, estabelece as exigências que o edital de concorrência deve fazer para qualificar os concorrentes. Nada foi feito sob alegação de que se leiloou o controle da empresa apenas. E a concessão? Pasmem: o governo a outorgou à empresa privatizada sem nenhuma licitação! Não impera a lei.
Sindicatos do setor, ligados à CUT (Central Única dos Trabalhadores) pediram liminar contra isso, negada por um juiz federal declarando haver grandes interesses comerciais em jogo.
Outra liminar foi pedida pelo ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Herman Baeta, em nome do presidente do Clube de Engenharia, Raimundo de Oliveira, e no meu nome. Foi negada. A sentença rebate nossa citação do artigo 21 da Constituição. Só que não citamos este artigo, e sim o 175! A vida real imita ``O Alienista", de Machado de Assis.
Se o objetivo é arrecadar recursos para abater a dívida do governo para controle da inflação, o BNDES foi incompetente. Se o objetivo é baixar tarifas, não é real: a Companhia Elétrica de Mato Grosso compra energia da Usina de Juba, do grupo Itamarati, privado, por mais de US$ 40/MWh, enquanto Furnas, estatal, a fornece por cerca de US$ 25/MWh.
Se o objetivo é expandir a oferta, a participação privada deveria ser em obras, cogeração, produção independente e conservação de energia. Se o objetivo é passar empresas elétricas para a gestão privada, então que o BNDES aja com competência.
O grupo controlador da Escelsa está buscando esta competência em ex-dirigentes do setor elétrico estatal, como o engenheiro José Luiz Alqueres. Ele saiu da presidência da Eletrobrás por discordar da equipe econômica, que burramente não ouve os técnicos por considerá-los todos corporativos.

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