São Paulo, terça-feira, 1 de agosto de 1995
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Bolhas e pêndulos

ANDRÉ LARA RESENDE

O entusiasmo dos investidores pelos países que adotaram a cartilha do Consenso de Washington teve fortes elementos de bolha especulativa. Acreditar que as reformas liberalizantes, por si só, produzirão uma rápida aceleração do crescimento está mais para ato de fé do que para conclusão bem fundamentada. Controlar a inflação é muito importante, mas recorrer ao câmbio fixo para estabilizar os preços é uma política que tem tão bons argumentos contrários quanto a favor.
As opiniões acima são de Paul Krugman. Tomei conhecimento delas por meio de um comentário indignado, numa destas cartas que os bancos e as corretoras internacionais produzem num ritmo capaz de desafiar o leitor mais obsessivo. Krugman é, como se costuma dizer, um economista brilhante. Até aí nada demais, pois não há incompatibilidade entre o brilhantismo e a capacidade de emitir opiniões idiotas. Mas Krugman pensa bem e é independente. Não tive dúvida: era preciso ler o artigo original na ``Foreign Affairs". Valeu a pena. A argumentação é interessante, e o comentarista indignado não passou nem perto da tese central.
Segundo Krugman, a primeira metade da década foi marcada pela aceitação quase que universal do que se tornou conhecido como o Consenso de Washington. A expressão, por aqui, disputava até pouco tempo com o neoliberalismo o título de rótulo pejorativo mais bradado pelos raivosos à esquerda. Anda meio esquecida. Neoliberalismo é algo convenientemente vago, mas o Consenso de Washington foi definido num decálogo por John Willianson, que cunhou a expressão. Willianson foi professor da PUC do Rio no início dos anos 80. Quem sabe vem daí a perigosa contaminação?
Estou me desviando do assunto. Voltemos a ele. Krugman resume o decálogo de Willianson como livre mercado e moeda forte. Segundo ele, as baixas taxas de juros no Primeiro Mundo e a nova ``zeitgeist" intelectual deram início a um processo circular: as reformas liberais eram seguidas de volumosa entrada de capitais com gratificação instantânea para os países que as punham em prática; o apoio político interno para as reformas aumentava, as bolsas subiam, e as convicções eram reforçadas.
Aí veio a crise do México. Uma crise cambial rigorosamente igual a todas as outras, como a da libra inglesa em 1992, por exemplo. As implicações, entretanto, serão diferentes. O extraordinário sucesso das reformas mexicanas foi muito mais fruto de expectativas excessivamente otimistas do que de resultados objetivos. Não que o Consenso de Washington esteja errado, mas sua eficácia -a capacidade de transformar a Argentina em Taiwan da noite para o dia- foi superestimada.
Um retrocesso no entusiasmo pelas reformas liberais parece inevitável. Sem a gratificação instantânea proporcionada pela entrada de capitais, a incapacidade das reformas fazerem milagres a curto prazo ficará mais clara. As resistências, a tentação intervencionista e o apelo dos controles de capitais ficarão mais fortes. Por enquanto, não parece haver um paradigma alternativo. O comunismo morreu e o fracasso intervencionista está ainda muito próximo. Mas é falta de imaginação acreditar que ninguém aparecerá com modelos alternativos, ainda que com fundamentação teórica questionável. Supor que as más idéias nunca prosperam é ignorar as lições da história. Interessante, não?

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