São Paulo, quinta-feira, 3 de agosto de 1995
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Tio Dave ensina técnicas para contar piada

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Bem, Joãozinho, na semana que vem estarei longe daqui.
Não para sempre, você entende -apenas para passar algumas semanas em Nova York, reduto de Woody Allen e do senso judaico-iídiche de humor realístico.
O humor tem sido uma das principais vias de escape para os judeus durante sua longa história. Jackie Mason, especialista no assunto, diz que os judeus sempre preferiram usar a cabeça a lutar.
O humor é uma maneira de manter o senso de equilíbrio diante da miséria e da infelicidade, como os nativos de Sambalândia sempre souberam. O humor, para o judeu, é uma maneira de criar um mundo diferente para si, exatamente como o beber é para muitos de nós, não-judeus. O humor é uma maneira de mudar de assunto.
Assim, antes de tio Dave partir rumo ao centro mundial da piada de judeu, ele está tentando aquecer o cérebro para ficar afiadinho para enfrentar o aguçado pensamento iídiche nova-iorquino.
Um dos especialistas mundiais no assunto é um satirista israelense que eu conhecia, chamado Dan Ben-Amotz. Dan costumava explicar o humor iídiche, fazendo uma espécie de autópsia do assunto, pelas mãos de um contador de histórias. Ben-Amotz contava uma história clássica, indo de trás para diante, deixando a cargo do ouvinte decifrar o tal do humor iídiche.
Assim, Joãozinho, hoje você e eu vamos descobrir que Existe Mais Do Que Uma Maneira De Se Matar Uma Piada.
1. Técnica do Pergunte Primeiro
Você já deve ter ouvido aquela do judeu que chega a um porto israelense tentando trazer dois sacos de café de contrabando e quando perguntam a ele "o que tem aí dentro dos sacos? ele responde: "Alpiste. Aí, quando perguntam a ele "desde quando passarinho come café?, ele responde: "Se eles quiserem comer, comem; se não quiserem, não comem. Você não conhecia essa? Então escuta, é assim: Tinha um judeu que chegou a um porto de Israel com dois sacos de café...
2. A Técnica da Pergunta
Você já conhece aquela do cara que falou: "Se eles quiserem comer eles comem, se não quiserem não comem?
3. A Técnica do "Eu
Uns dois meses atrás eu estava voltando de uma viagem à Itália. Desci do navio num porto em Israel e estava esperando o pessoal da alfândega revistar minhas malas. Na minha frente havia um cara segurando dois sacos grandes e uma bolsa. Não percebi nada de especial nele, saca? Nem imaginava que ia acontecer qualquer coisa.
Aí um funcionário da alfândega chegou nele e perguntou, supereducado: "O que o senhor está levando nesses sacos?. O cara respondeu: "Alpiste.
Foi aí que eu imaginei que devia estar acontecendo alguma coisa meio esquisita. Aí o cara da Alfândega falou pra ele: "O senhor se importaria em abrir os sacos?. Então o cara abriu os sacos e imagine só o que tinha lá dentro? Café! Aí o cara da Alfândega falou pra ele: "Por que o senhor me disse que era alpiste, se é café? Desde quando pássaro come café? Fiquei com vontade de me intrometer, mas o cara dos sacos falou...
4. A Técnica dos Detalhes
Havia um cara chamado Rabinowitz, acho, que morou na França a vida inteira. Um dia ele recebeu uma carta da irmã que morava em Tel Aviv. Ela escreveu dizendo que estava com dor de cabeça e não andava se sentindo bem e que a vida em geral não andava lá essas coisas. Sei lá, não interessa.
Em todo caso ela disse na carta: "Está chegando a hora da Páscoa, por que você não vem me fazer uma visitinha? A gente poderia pegar o carro e fazer um passeio pela Galiléia, tá cheio de flores bonitas por lá nesta época.... O tal do Rabinowitz gostou da idéia e resolveu fazer a viagem.
Mas ele tinha que levar um presente para a irmã. Não fazia idéia do que seria legal levar a Israel. Então foi ao "pletzl (ponto de encontro) em Paris e perguntou pra algumas pessoas o que valia a pena levar a Israel.
As pessoas responderam: "Há um monte de coisas que seria legal levar. Você poderia levar relógios de pulso escondidos em latas de sardinha, ou diamantes escondidos na roupa, ou rádios dentro de um rolo compressor. Depende do que você estiver querendo. Diga aí o que você está com vontade de levar.
Aí o Rabinowitz falou: "Na verdade não estou afins de levar nada que seja realmente mercado negro. Tô pensando em alguma coisa simples, tipo alguma comida ou bebida....
Aí disseram pra ele: "Comida ou bebida? Então leve café! Então o Rabinowitz perguntou: "Que tipo de café vocês acham que vale a pena levar?. Os caras disseram: "Há café brasileiro, café turco, esse tipo de café ou aquele... Depende do que você estiver querendo.
Então ele comprou dois sacos de café colombiano de primeira qualidade e partiu em viagem para Israel. Ele estava com uns 45 anos na época. Quando chegou ao porto em Israel, ele...
5. Técnica dos Fatos Cruciais
Um judeu num porto em Israel desceu do navio e foi à Alfândega. O funcionário perguntou pra ele: "O que o senhor está levando aí?. Ele respondeu: "Alpiste.
Peraí, um minutinho só. Esqueci de dizer que ele estava tentando levar dois sacos de café de contrabando. Então o funcionário da Alfândega viu o café e perguntou: "O que é isso?. O cara disse: "É alpiste...
6. A Técnica Cultural
Funcionário da Alfândega: "O que temos aqui?.
Judeu: "Alimento para nutrir nossos belos amiguinhos alados.
Funcionário da Alfândega: "Como? Será que nossos amiguinhos alados consomem café?.
Judeu: "Se assim o desejarem, que consumam quanto for preciso para satisfazer seu desejo.
7. A Técnica Literária
Um cavalheiro de tendências literárias ouviu a piada e disse a si mesmo: "Eis uma boa idéia. Ele viajou para o exterior, comprou dois sacos de café e voltou a um porto de Israel e à Alfândega do porto.
O funcionário da Alfândega lhe perguntou: "O que o senhor tem nesses sacos? O cavalheiro de tendências literárias respondeu de imediato: "O que tenho aqui é café para os passarinhos.
Disse o funcionário da Alfândega: "Mas, meu bom senhor, passarinhos não comem café. Replicou o cavalheiro de tendências literárias: "Como assim, não comem café? Existe uma ave do gênero Litesrobuculo ou da nova família dos Ribucoli que, quando nada mais tem para comer, alimenta-se de café.
As "Variações sobre um Tema de Ben-Amotz continuam ad infinitum. Deixei de fora, por exemplo, aquela da esposa que a toda hora interrompe a história que o marido está contando, até chegar a hora do judeu realmente estar trazendo alpiste.
Vou procurar Dan em seu velho reduto preferido, aquele grande restaurante de nome Gino. Vou contar a ele a última piada de O.J. Simpson e perguntar se estou com meu senso de humor iídiche nova-iorquino ligado na tomada.
A piada é assim. Uma mãe judia era jurada do caso Simpson, mas o juiz Ito a mandou para casa porque ela ficava insistindo o tempo inteiro que a culpada era ela.
Muita gente ainda está me escrevendo para perguntar o nome do banco de Sampalândia com sabor português onde guardo meus (muito) poucos pedaços de "moolah ganhos com o suor da minha árdua labuta.
Mas tio Dave não vai fornecer o nome do banco que sempre desliga grande parte de seus ATMs nos fins-de-semana. Vai dar só uma pequena dica: o banco tem uma agência na esquina da Oscar Freire com a Augusta. A porta principal foi construída de tal modo que só há lugar para uma pessoa entrar ou sair por vez. Quando perguntei a um dos guardas o porquê daquilo, ele me disse que a porta tinha sido estreitada seguindo as ordens do gerente, "para deixar aqueles moleques de rua de fora.
Se alguma vez ocorrer um incêndio dentro do banco, haverá muitos clientes de alta classe fritos lá dentro. Enquanto Maluf cuida de nossa segurança alimentar, ele bem que podia dar uma paradinha em meu banco português e mandar tirar um retrato dele saindo pela porta mais estreita e mais perigosa da cidade.

Tradução de Clara Allain

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