São Paulo, sexta-feira, 4 de agosto de 1995
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Os gaúchos e a Federação

JOSÉ SARNEY

A convite da Fiergs (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul), uma entidade que não vê somente o aspecto corporativista, mas o interesse coletivo, estive em Porto Alegre há poucos dias. Surpreendeu-me o nível da crise que o Estado atravessa. O relatório da Fiergs traz números preocupantes. O nível da capacidade produtiva das empresas está 64% abaixo do normal; o nível de emprego deverá cair 56% e já caiu 18,18%; o volume de vendas caiu 72,73%. E assim por diante. Tudo no vermelho.
Ouvi do governador Antônio Britto que o setor governamental investe R$ 5 milhões ao mês e paga todo dia R$ 5 milhões de juros da sua dívida. O Rio Grande tem uma economia com bases idênticas às dos países do Mercosul, com a desvantagem de cargas maiores de impostos e encargos sociais, o que o faz perder competitividade. Os dois problemas do real pegam em cheio o Rio Grande: os juros astronômicos e a taxa de câmbio. Dou o meu testemunho do que ouvi e vi nas terras gaúchas ao governo federal.
O Rio Grande do Sul tem uma história densa. Tornou-se brasileiro com o sacrifício do seu sangue, e seus grandes vultos foram sempre marcados pela firmeza e bravura de suas convicções, desde Silveira Martins, passando por Borges de Medeiros, Flores da Cunha, Pila, Krieger e Brossard, para falar de tempos mais recentes. Não falo de Júlio de Castilho, pela violência com que combateu seus adversários e o negro tempo de degola. O que acontece no Rio Grande tem repercussão nacional, e muitas vezes a coisa começa ali. O governo precisa examinar a crise que ali se instala, principalmente o setor agrícola, que está esmagado e injuriado.
Mas o que é mais grave é que esse fato colocou à mostra a crise da Federação. Os Estados estão desmontados. Basta o exemplo de que o maior deles, São Paulo, segundo dizem seus líderes, está falido. O Nordeste não tem um tostão para investir e pouco tem para comer. A Amazônia, com a restrição das cotas de importação, com sua economia voltada para criação de áreas de livre comércio, está pedindo socorro, com tudo paralisado.
Qual é a crise, se o real vai bem? É mais profunda. É a crise das instituições republicanas. A União deixou de ser pensada, destruíram-se os laços federativos, assunto fora do debate nacional, quando a Constituição diz que jamais podemos mexer na Federação e na República. Pois estas estão esquecidas.
O Rio Grande do Sul me fez pensar na crise da Federação e dizer que esta é da maior gravidade, porque, se continuar, atingirá fatalmente a unidade nacional.
Pensar na inflação, mas pensar na Federação. Há algo de errado, não no reino da Dinamarca, mas na estrutura da República Federativa do Brasil.

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