São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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O futuro e a rosa

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Enquanto o mundo rememora os 50 anos da rosa estúpida de Hiroshima, a França insiste em levar adiante testes nucleares no atol de Mururoa.
Os testes trazem para o cenário internacional pós-Guerra Fria uma nota dissonante e revelam que o chauvinismo, crônica doença européia, continua vivo não apenas na famigerada península dos Balcãs, mas entre países supostamente interessados na união continental.
A entrada da França no clube nuclear fez parte de um movimento de recuperação do orgulho nacional e da influência internacional do país depois da humilhação imposta pelos nazistas na Guerra.
Com a bomba, franceses mostravam ao mundo e à Europa que não estavam dispostos a aceitar desvantagem em relação a seus eventuais inimigos e aliados. A França precisava sentar-se, em igualdade de condições, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, com EUA, URSS, Reino Unido e China -todos com arsenais nucleares.
A própria esquerda não foi maior obstáculo à nuclearização do país, conduzida no período gaullista. Testes continuaram sendo feitos até 92, quando o socialista Mitterrand -que já afundara o mitológico Rainbow Warrior, navio do Greenpeace, provocando a morte de um fotógrafo holandês- decidiu uma sensata moratória.
Agora, com Chirac, que parece ver De Gaulle no espelho, o país volta aos testes no atol. As justificas são de ordem ``técnica": a França precisaria detonar pelo menos oito bombas para verificar as condições de seu arsenal e controlar uma tecnologia de simulação, a ser utilizada depois de meados do ano que vem, com a assinatura de um acordo proibição de testes.
Especialistas franceses e norte-americanos dizem que é conversa para boi dormir. O intuito é desenvolver novas armas. Mas mesmo que os motivos técnicos sejam verdadeiros, servem unicamente para confirmar a idéia de que a França tenta superar sua decadência no cenário internacional revivendo, atabalhoadamente, mitos nacionalistas do passado -enquanto a Alemanha assume a liderança no continente e empresta militares para missões internacionais.
O mundo comemora 50 anos sem conflito generalizado e sem uma bomba nuclear estourando sobre seres humanos.
O tempo é longo para o século. Mas curto para a história. A desmontagem da cena dividida entre duas superpotências dá a impressão de que um novo conflito generalizado está fora do horizonte.
O neocapitalismo aparece como uma espécie de liga universal, a unificar o mundo e reduzir diferenças.
Mas ao mesmo tempo, a configuração do novo modelo traz em si um padrão excludente. Mais eficiência e menos trabalho.
Quais as chances de integração do exército de mão-de-obra, qualificada ou não, que cresce a cada dia em todo o planeta sem encontrar uma porta para entrar no sistema produtivo?
Quais serão, afinal, os desdobramentos dessa tão falada globalização? Por que uma bomba poderá ser útil para o futuro?
Ainda é cedo para comemorar.

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