São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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Testemunha diz que operação foi com iranianos e não com a Líbia

ROBERTO PEREIRA DE SOUZA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Testemunha convocada pela Procuradoria, o húngaro naturalizado brasileiro Zoltán Racs, 74, um dos fundadores da empresa Explo, afirmou à Folha que a venda de 1 milhão de granadas de mão e mais 240 mil artefatos para combater blindados foi feita aos iranianos.
"Fabricamos o material para o Irã. Nunca comercializamos nada com a Líbia. Não sei de onde tiraram a Líbia. Lembro bem porque foi nossa última grande venda por intermédio da Jabour."
Químico, com serviços prestados à Alemanha na Segunda Guerra, Racs diz que o Brasil não poderia negociar oficialmente armas com o Irã naquele momento. Os iranianos estavam em guerra contra o Iraque.
``O Iraque era nosso cliente, tínhamos cinco empresas trabalhando lá, financiadas pelo Banco do Brasil", diz.
Oficialmente, o caminho burocrático para a venda externa de material bélico brasileiro começa no Ministério das Relações Exteriores, que avalia os prováveis clientes segundo as normas da Pnemem (Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar).
Para o cliente ser aceito ele deve, em princípio, enquadrar-se nos interesses estratégicos do Brasil e de seus parceiros -o mais poderoso deles, os EUA.
A pnemem exige, ainda, a apresentação de um certificado de usuário final ("end user") nos casos em que a venda é feita a particulares. No caso da suposta venda de granadas à Líbia, não foi apresentado o certificado.
Como a transação foi intermediada por particulares e não há registro oficial de que o governo da Líbia tenha realmente comprado parte ou o total das granadas, a ausência do certificado é um dos pontos a serem esclarecidos.
Pelas normas vigentes até hoje, todos os pedidos de material bélico devem passar ainda pelo gabinete da Presidência da República, depois de crivados pela Secretaria de Assuntos Estratégicos e pelo Conselho de Segurança Nacional.
Em 84, o responsável pela aceitação das operações de venda no Ministério das Relações Exteriores era o atual embaixador do Brasil em Washington, Paulo Tarso Flecha de Lima.
Ele será convocado como testemunha pela Procuradoria da República para explicar os motivos que levaram o Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, que então dirigia, a aceitar os papéis apresentados pela Jabour.
O diretor da exportadora Jabour, João Luis Mauad, diz que a apresentação do ``end user" é uma ``balela". ``Bobagem pura. Já ouvi histórias escabrosas envolvendo a falsificação de `end user'. Isso não funciona", diz.
Mauad afirma que as vendas que a empresa realizou eram ``sigilosas" e que nunca vendeu 1 milhão de granadas. ``Vendi para a Líbia 30 mil granadas de mão e 240 mil de bocal. Só isso", diz.
Revoltado com a denúncia da Procuradoria da República, o empresário disse que jamais exportou qualquer material bélico a empresas particulares. Sobre o fiscal iraniano que inspecionou as granadas, diz que foi enviado por pessoas da Europa. ``Não vou revelar os nomes porque é sigilo".
A secretária de Imprensa do atual ministro, Luiz Felipe Lampreia, afirma que, em 84, não havia necessidade de apresentação do certificado de "end user".
A Procuradoria também não encontrou os mapas trimestrais de produção que obrigatoriamente deveriam ter sido enviados ao Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército e ao Itamaraty.
(RPS)

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