São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
'Essa guerra pode se espalhar'
BETINA BERNARDES; VICTOR AGOSTINHO
Quatro anos atrás, Desanka desembarcou no Brasil, aos 40 anos, sozinha e sem dinheiro, para morar em uma república em Campinas (interior de SP). Era o início da guerra que devasta regiões da ex-Iugoslávia até hoje. ``Na minha família há sérvios e croatas. A guerra é uma tragédia para todo mundo, mas em famílias misturadas é ainda pior", diz Desanka. Ela nasceu e viveu na Croácia. Se formou em medicina, com doutorado em cirurgia cardíaca, e se mudou para Belgrado. O marido, sérvio, é engenheiro mecânico. ``Com a guerra, íamos ter que escolher um lado. Tenho sobrinhos sérvios e croatas que sempre foram amigos e agora estão guerreando uns contra os outros", diz Desanka. Ela e o marido resolveram sair do país com os filhos, Mladen, um menino com então 4 anos, e Sanja, de 15. ``Queríamos outro continente. Essa guerra pode se espalhar pela Europa." Uma amiga brasileira que vivia na Sérvia sugeriu o Brasil. Desanka veio sozinha, como turista, em outubro de 91. Do aeroporto de São Paulo, foi para Campinas. ``Conheci uma senhora que me arrumou um quarto em república de estudantes." A médica começou a estudar português em casa, ouvindo fitas e rádio e lendo apostilas. ``Dois meses depois de minha chegada, o governo estadual abriu um concurso para pesquisadores da Europa do Leste. Fiz a prova e fui aceita." Após o concurso, ela chamou a família. ``As fronteiras na Sérvia estavam fechadas. Eles só conseguiram vir seis meses depois." O marido vendeu o carro para pagar as passagens. ``Não tínhamos dinheiro para nada, mas a solidariedade dos brasileiros é incrível. Os amigos se juntaram e nos deram mobília, talheres e até abridor de garrafa", conta. Sua filha, Sanja, hoje com 18 anos, dá aulas de inglês e francês em um curso na cidade e é uma das melhores alunas do terceiro ano do colégio Objetivo. Mladen está no primário. Toda a família fala português fluentemente. Na semana passada, a família se mudou para um apartamento de três quartos em Campinas. Os refugiados mantêm contato com os familiares na ex-Iugoslávia, mas não pensam em voltar. ``O Brasil é um país livre. Você pode se locomover sem ter que dizer a cada duas horas se é sérvio ou croata." E os sobrinhos que combatem em lados diferentes na ex-Iugoslávia? ``Falei com minha irmã na quarta-feira. Ela disse que eles ainda estavam vivos. Aquilo é uma guerra. Não sei o que ela vai me dizer da próxima vez." (Betina Bernardes e Victor Agostinho) Texto Anterior: 'Fui escondido em uma cesta de vime' Próximo Texto: Entenda a guerra na ex-Iugoslávia Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |