São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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Marc Veyrat prega sua cozinha das ervas

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

A Folha inicia esta semana -com esta entrevista com o cozinheiro francês Marc Veyrat- uma série de artigos com os maiores chefs do mundo. As reportagens serão publicadas no primeiro domingo de cada mês.
Marc Veyrat, o primeiro deles, é considerado o ``enfant terrible" da cozinha francesa.
Se o chef francês Paul Bocuse é o grande difusor da ``cuisine du marché" (cozinha feita a partir de ingredientes encontrados a cada dia no mercado), Veyrat pode ser considerado o inventor da ``cuisine du trouvé", feita a partir dos ingredientes que encontra, às vezes ao acaso, em suas andanças pelas montanhas e florestas da região de Annecy, no centro da França.
Este ano conseguiu sua terceira estrela no ``Guide Michelin", cotação máxima do conceituado guia francês de restaurantes. Foi o único promovido em 95 a esta categoria. Em entrevista à Folha, pregou sua nova concepção de cozinha.

Folha - Como e quando se deu sua iniciação na gastronomia?
Veyrat - Eu sou de origem montanhesa. Meu pai era fazendeiro e eu vivi em contato com a natureza durante toda a minha adolescência. Assim tive os primeiros contatos com produtos da terra. Mas foi aos 29 anos que comecei a fazer experiências gastronômicas.
Folha - O que lhe faz criar um novo prato?
Veyrat - Existe sempre uma inspiração, mas são sobretudo flashs que me vêm à cabeça devido à minha formação. Crio pratos a partir de ervas que encontro em minhas procuras pelas montanhas, por exemplo. Também já combinei em um prato a carne de porco -que é um produto fundamental na fazenda- e o café torrado. Gosto ainda de misturar produtos ricos e pobres. Faço uma entrada com rábano -que é um produto humilde- e trufa, que é um produto nobre. Isso é importante para mim. A cozinha é um conjunto. É um luxo, mas tem sempre uma formação popular.
Um dos grandes problemas que temos hoje na gastronomia é que esquecemos as nossas bases populares e partimos para os fast-foods. As pessoas não estão mais habituadas ao sistema aromático da cozinha francesa. É uma pena, pois é absolutamente necessário que saibamos também comer uma carne de porco bem preparada e não apenas um hamburguer.
Folha - Dizem que você vai pessoalmente à mata para procurar suas ervas e cogumelos. Isso não é um pouco de folclore?
Veyrat - De forma alguma. Hoje mesmo fomos à montanha e durante três horas colhemos as plantas e os cogumelos necessários ao trabalho do dia. O meu problema é passar a minha mensagem. Convencer clientes e jornalistas que fazemos uma cozinha diferente.
Temos três estrelas no ``Guide Michelin" e isso não é à toa. O guia é muito confiável e sabe que a nossa cozinha das ervas não é uma conversa. Todos os dias temos equipes de quatro ou cinco pessoas que vão às montanhas comigo à procura das ervas e produtos necessários na cozinha.
Folha - Ganhar uma terceira estrela no ``Guide Michelin" trouxe mais clientes ou apenas jornalistas ao restaurante?
Veyrat - O movimento cresceu muito. Na estação baixa, trabalhávamos com 70 clientes e hoje chegamos a cerca de 120 por dia.
Folha - O epíteto ``enfant terrible" da cozinha francesa ajuda ou atrapalha em um meio tão conservador?
Veyrat - De um lado ajuda, mas de outro atrapalha, pois nos deixa um pouco à margem. Mas eu estou orgulhoso desta condição. Mostra que criamos algo novo.
Alguns grandes chefs franceses me criticam, mas isso também me deixa orgulhoso. Mostra que pelo menos eles não são indiferentes. O que eu quero é que aqueles que me criticam venham comer no meu restaurante. Por outro lado, posso dizer que grandes chefs, como Bocuse e Troigros, vieram e saíram daqui entusiastas da minha cozinha. São pessoas abertas.
A cozinha francesa é um setor muito conservador. Existe uma nova geração que chega e cada um deve ter sua vez. Os grandes chefs têm 30 anos de carreira...
É certo que estamos trazendo uma nova concepção de cozinha. Abolimos as gorduras e os defumados e trabalhamos essencialmente com legumes cozidos e infusões. Isso cria novos aromas. É uma cozinha inédita.
Folha - Em quem você pensa quando cozinha?
Veyrat - Penso em mim, principalmente. Sou muito egoísta. Quero sempre dar prazer a mim mesmo quando cozinho. Acredito que o grande prazer é transmitir aos clientes a nossa alegria de viver. A clientela deve receber o que amamos. Colocamos nosso coração, tudo o que temos para dar prazer ao cliente.
Folha - Quando você sai do restaurante, você fala do quê? Sempre de cozinha?
Veyrat - Eu adoro a pintura, a música e a natureza, sobretudo. Amo também os esportes radicais. Salto de pára-quedas, esquio... Adoro correr riscos.
Folha - O trabalho na cozinha não é monótono?
Veyrat - Jamais! Jamais!
Folha - E qual é a receita?
Veyrat - A receita é que descobrimos cerca de dez novas plantas por ano e que nosso cardápio muda todo o tempo. Não temos estação. Mudamos quando queremos. Criamos todo o tempo. Assim evitamos a monotonia.
Folha - Depois de Paul Bocuse e a ``nouvelle cuisine", a cozinha francesa estacionou?
Veyrat - Hoje temos muitos grandes chefs, mas posso dizer que no ano 2000 não haverá mais tantos grandes chefs, talvez dez ou 12 muito grandes, um de cada grande região francesa. Devido à crise econômica, não haverá mais lugar para todo mundo. Os jovens talentos são muitos, mas se investe menos no setor.
Folha - Mas um restaurante como o seu sempre foi frequentado por uma elite...
Veyrat - Certamente, mas há alguns anos 50% dos franceses pertenciam a esta elite. Hoje não chegam a 10% e o número está diminuindo.

AUBERGE D'ÉRIDAN: 13, Vieille Route des Pensiéres, Veyrier du Lac (próxima de Annecy), França, tel. 00 33 50602400, fax 00 33 50600536. O restaurante fecha no mês de fevereiro.

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