São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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Homens e livros

Monteiro Lobato dizia que um país se faz com homens e livros. O Brasil tem homens e livros. O problema é o preço. A vida humana está valendo muito pouco, já as cifras cobradas por livros exorbitam.
A notícia de que uma mãe vendeu o seu filho à enfermeira por R$ 200, em duas prestações, mostra como anda baixa a cotação da vida humana neste país. Se esse é o valor que uma mãe atribui a seu próprio filho, o que dizer quando não existem vínculos de parentesco. De uma fútil briga de trânsito aos interesses da indústria do tráfico, no Brasil, hoje, mata-se por nada.
A falta de instrução, impedindo a maioria dos brasileiros de conhecer o conceito de cidadania, está entre as causas das brutais taxas de violência registradas no país.
Os livros são, como é óbvio, a principal fonte de instrução já inventada pelo homem. E, para aprender com os livros, são necessárias apenas duas condições: saber lê-los e poder adquiri-los. Pelo menos 23% dos brasileiros já encontram um obstáculo intransponível na primeira condição. Um número incalculável, mas certamente bastante alto, esbarra na segunda.
Aqui, um exemplar de uma obra de cerca de cem páginas sai por cerca de R$ 15,00, ou seja, 15% do salário mínimo. Nos EUA, uma obra com quase mil páginas custa US$ 7,95, menos da metade da brasileira e com 900 páginas a mais.
O principal fator para explicar o alto preço das edições nacionais são as pequenas tiragens. Num país onde pouco se lê, de nada adianta fazer grandes tiragens. Perde-se, assim, a possibilidade de reduzir o custo do produto por meio dos ganhos de produção de escala.
Numa aparente contradição à famosa lei da oferta e da procura, o livro no Brasil é caro porque o brasileiro não lê. Vencer esse suposto paradoxo alfabetizando a população e incentivando-a a ler cada vez mais poderia resultar num salutar processo de queda do preço do livro e valorização da vida.
Um país se faz com homens e livros. Mas é preciso que os homens valham mais, muito mais, do que os livros.

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