São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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O grande contraste

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

São 4 horas da manhã. Acordei com o comércio na cabeça. É certo que não se pode, de maneira alguma, menosprezar o comércio, pois é ele que coloca a grande maioria de nossos produtos. Falei nossos produtos! Mas, no momento, o que estamos promovendo é a colocação dos produtos alienígenas.
Produto nacional, que é bom, não está nas prateleiras e foi rapidamente substituído pelo produto oriundo do exterior, que, com ele, traz um financiamento a juros de 6% a 8% ao ano, fazendo uma concorrência desigual e desleal para os manufaturados no país!
Para desafogar, aproveitei o silêncio da madrugada e liguei para o meu amigo, o caboclo Mathias.
É você, Mathias? Não lhe disse que ligaria de volta para saber se ainda estarias vivo? O que mandas?
Li uma entrevista em jornal da capital em que o governo demonstra alegria pelo simples fato de que as vendas no comércio cresceram 12% este ano em relação a 94, o maior movimento em 22 anos, segundo documentos fornecidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O que você acha?
Na minha maneira simples de pensar, o governo comete um grande equívoco. Se o desenvolvimento do comércio fosse suficiente, com todo o respeito pelo Paraguai, aquele país seria o grande destaque da América do Sul. Agora, num país como o Brasil, com este imenso território, com vastas reservas de matérias-primas, ficarmos dependendo do comércio à base de produtos e fornecimentos importados não me parece correto. Afinal de contas, estamos precisando dar empregos e, neste momento, troca-se a mão-de-obra nacional pela importada. Até quando?
Você tem razão, pois que, aqui em São Paulo, a indústria, nas primeiras três semanas de julho, demitiu quase 11 mil trabalhadores. Por outro lado cresce o comércio e cresce a inadimplência. Todos compram, poucos estão pagando. Seria esperteza? Seria aperto ou falta de seriedade? Nunca duvidei da correção dos homens que comandam a política econômica do governo FHC. Tenho me manifestado contra a âncora cambial que nos afoga impiedosamente e a importação de empréstimos a juros baixíssimos sem que a mesma oportunidade fosse dada aos brasileiros.
Aqui no interior, retrucou Mathias, o quadro é ainda pior. Quando um trabalhador rural perde o emprego, ele fica sem ter para onde ir. Tenho visto agricultores pagando passagens para famílias inteiras, viabilizando o retorno a sua terra natal!
Deus queira que não ocorra no Brasil o mesmo que ocorreu logo após o término da Segunda Guerra Mundial. Em apenas um ano queimamos todas as reservas do Brasil, importando queijos suíços, champanhe francês e, como não poderia deixar de ser, carrões do mundo exterior. Naquela época o Brasil ficou inchado de Cadillacs!
Você ainda lembra que anos depois o saudoso Silveira Sampaio, se não me falha a memória, fez uma peça de teatro chamada ``No País dos Cadillacs!". E agora, se fosse vivo, sua nova peça seria intitulada ``O mesmo samba de 46".
Até quando vai durar essa alegria das importações? Será que 46 não serviu de exemplo?
Acorda, Brasil! Não é possível pagar juros de 50% a 60% ao ano e tomar recursos no exterior para manter o privilégio dos especuladores. A manutenção das reservas custa ao Brasil cerca de US$ 9 bilhões ao ano, uma boa parcela remunerando os chamados ``investidores". Mesmo com todo esse dispêndio, o desemprego, maior problema no momento da nação, continua a se agravar. O exemplo da Argentina não serve em absoluto para nós brasileiros. É só lembrar que a nossa população é praticamente cinco vezes maior que a do país vizinho. Não desanime, meu amigo, pois a solução do desemprego está na dinamização da produção agrícola.
Até breve, e, já que não podemos resolver os problemas do Brasil, vamos juntos torcer, domingo, pelo nosso time. Boa sorte, Corinthians!

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