São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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Peruas in concert

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - A peruagem carioca atravessou dias agitados. Hoje tem Grande Prêmio Brasil na Gávea. Amanhã haverá a Nuit de Longchamps, equivalente grã-fino do Forró de Caruaru, no Campo de São Cristóvão, onde os nordestinos do Rio evocam o tempo perdido.
Nada a ver com o Carnaval ou o Réveillon em Copacabana, quando a cidade entra em alfa, aquele assanhamento dos tamoios diante das caravelas que chegavam. Goste-se ou não dessas festas, todos de certa forma delas participam: como disse Noel Rosa, são coisas nossas, como os vigaristas, os prestamistas e a prontidão.
O Jóquei Clube deu uma de Cristo ressuscitando Lázaro: promoveu o evento e motivou peruas de todos os tamanhos, idades e feitios. Parece que vai dar certo.
Nos tempos de fastígio, sabia-se que o Grande Prêmio estava próximo não pelos cavalos argentinos que aqui chegavam para surrar a chamada ``criação nacional". Adivinhava-se que alguma coisa ia acontecer no mundo a partir dos galináceos domésticos disputados por intermediários que de casa em casa buscavam bons exemplares. Era uma devastação: os galos ficavam depenados, sem as penas multicores da cauda.
Penas que apareciam na tribuna de honra do hipódromo, enfeitando a grande festa da criação nacional. As revistas mundanas elogiavam a elegância das cariocas, o bom gosto vindo diretamente de Paris, mas com o reforço anônimo dos galos, galinhas e perus do Méier e de Quintino.
Esse tempo acabou. O Rio assumiu seu lado informal. Com a paisagem mais bonita do mundo à sua volta, qualquer penduricalho a mais é de mau gosto. É como botar um brinco das Lojas Americanas na ``Pietá".
Vou fazer laboratório para ver na TV o espetáculo. Tenho um bom uísque de reserva, uma caixa de ``Hoyo de Monterrey" que me chegou de Havana. Com o controle remoto evitarei os cavalos e me concentrarei nas peruas. No fundo, tenho inconfessável atração por elas, aquele clima dos anos 60, tesões datados como aqueles pensamentos de Machado de Assis: idos e vividos.

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