São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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O declínio do capitalista selvagem

SÉRGIO DÁVILA

Paiakan quer voltar a ser índio. Cansou do mundo dos brancos, que lhe deu fama e problemas. "É hora de ser caiapó de novo", diz. Em dez anos, ele surgiu como ecologista respeitado, enriqueceu com extração de ouro e madeira, foi acusado e inocentado de estupro e está confuso.

Macarrão e guaraná
Recluso em Kreniediã, o líder indígena concordou em dar entrevista exclusiva à Revista da Folha depois de quatro dias de negociações por rádio, desde Redenção. "Não confio mais na imprensa", era seu principal argumento. "Nenhum jornalista pisou nem vai pisar aqui."
Na cidade, os pilotos de avião se recusavam a descer na pista de pouso da aldeia de Paiakan sem a autorização do índio. "Sabe lá o que pode acontecer", disse um deles. Mas o cacique acabou cedendo. Uma hora de vôo num monomotor Cessna 206 depois, o índio recebeu os visitantes.
Bem-humorado e falante, junto com sua mulher, Irekran, e as filhas Oé, 11, Kokonã (ou Tânia), 9, e Maial, 6, preparou um almoço especial. Assou em folhas de bananeira um tucunaré pescado no braço do rio que circunda sua taba, fez arroz, feijão, macarrão e suco de guaraná.
(O ritual caiapó foi respeitado: primeiro, a visita se serve, depois o cacique, então os homens e, por fim, as mulheres, que alimentam as crianças em seu próprio prato. Como todo pescador, Paiakan se gaba do peixe de cinco quilos.)

Alemão e Viena
Paiakan está mais gordo e envelhecido. O índio gorotiré, da tribo dos caiapós, é cacique de duas aldeias, A-Ukre e Kreniediã, que reúnem 500 pessoas numa reserva do sul do Pará, a 1.000 quilômetros de Belém.
As terras, 32 mil quilômetros quadrados (pouco mais que a Bélgica), são ricas em ouro e mogno, madeira de lei valorizada na construção de móveis. "Aí começou nosso problema", diz o líder dos caiapós.
O cacique despontou para os brancos nos anos 80. Aprendeu português e passou a lutar pela demarcação e preservação das reservas. Com a fama nacional, tomou aulas de inglês e viajou.
"Conheci Estados Unidos, México e Canadá. Na Europa, vi França, Espanha, Bélgica, Itália, Alemão, Inglaterra, Viena e Japão", diz. Em 1989, ganhou medalha da Sociedade por um Mundo Melhor, de Washington, categoria Proteção do Meio Ambiente.
No ano seguinte, a ONU concedeu-lhe o prêmio Global 500, pela preservação da Amazônia. Ficou amigo de Sting, Jimmy Carter e do príncipe Charles. Era tão radical na defesa do meio ambiente que chegou a romper com o lendário cacique Tutu Pombo, o primeiro caiapó a fazer negócio com os brancos.
Pombo, que morreu aos 66 anos em 1994, deixando fortuna calculada em US$ 6 milhões, abriu as terras da aldeia Gorotire, onde Paiakan nasceu e se criou. De cada mineradora e madeireira, o "coronel, como era conhecido, recebia 10% do extraído.

A-Ukre Trading Co.
Calcula-se que, no auge das atividades, os caiapós movimentavam US$ 10 milhões por ano -livre de impostos, de prestação de contas e de intermediação com o governo. A princípio contrário à riqueza de origem branca, Paiakan saiu de lá e fundou sua própria aldeia, a A-Ukre.
Então, em 1991, conheceu a milionária inglesa Anita Roddick, dona da rede de cosméticos naturais Body Shop, com lojas em 35 países. Os dois fecharam contrato para a fabricação de óleo de castanha, que a Body Shop usa em cremes.

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