São Paulo, segunda-feira, 7 de agosto de 1995
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Ainda o dólar

Depois do susto mexicano, muita gente celebrou em prosa e verso a morte anunciada da ``âncora cambial". Frente à crise externa, parecia insuportável conviver com déficits no comércio exterior. Seria preciso rever o modelo. Desvalorizar o câmbio, apelar para tarifas mais altas e cotas, desaquecer a economia.
Mas o governo, passada a crise, optou por outra receita. Ou melhor, outra receita de âncora cambial.
Vieram de fato as cotas, as tarifas, o desaquecimento. Os gerentes da estabilização não desdenham de equilibrar o comércio exterior. Mas nem por isso a tese de ``ancorar" a estabilidade dos preços na taxa de câmbio foi posta de lado.
Nos últimos meses, em vez de valorizar o câmbio e inundar despreocupadamente o país com importações, o governo passou a estimular o endividamento em dólar.
Em outras palavras, se antes a âncora cambial passava sobretudo ou quase exclusivamente pelo aumento da concorrência, pelo comércio exterior, agora a âncora por assim dizer ``financeirizou-se".
Os juros altos, o arrocho no crédito e o sistema de compulsórios empurraram parte do setor privado para o exterior, onde está captando avidamente recursos em dólar.
Alterando regulamentações, o governo tenta suprir o financiamento habitacional, agrícola e de bens de consumo duráveis com fundos captados no exterior. O próprio Tesouro lançou-se ao mar, emitindo papéis para captar dinheiro na Alemanha e no Japão.
Essa nova onda de endividamento externo cria na sociedade cada vez mais interessados na estabilidade do câmbio, a começar pelo Tesouro Nacional. E as empresas, endividadas em dólar, terão no câmbio estável um amortecedor de custos financeiros enquanto o governo tiver capacidade de atrair capitais.
A âncora cambial, se em algum momento parecia prestes a morrer, ressuscitou bem rápido e hoje viceja com aparente vigor.

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