São Paulo, terça-feira, 8 de agosto de 1995
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Carlos Manga revive a glória da chanchada

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Erramos: 10/08/95
A atriz que aparece com Oscarito na foto do filme "Nem Sansão, Nem Dalila", publicada à pág. 5-1 ( Ilustrada) de 8/8, é Fada Santoro e não Eliana Macedo.
No Festival de Gramado, que começa neste sábado, ele será homenageado pelos serviços que prestou ao cinema nacional. Em novembro do ano passado, seus filmes divertiram franceses e outros europeus no Festival de Nantes. Aos 67 anos, Carlos Manga vive finalmente a glória que a incompreensão da crítica não lhe deu no devido tempo. No tempo em que ele era o rei das chanchadas da Atlântida.
``Nunca fui tão cortejado, festejado e aplaudido como nos últimos anos", comenta, orgulhoso e sem rancor, do alto de seu novo trono, no reino televisivo. Manga, agora, é o rei das minisséries globais -tão populares quanto as chanchadas dos anos 50, mas sem desafetos na imprensa ou em qualquer outro lugar.
Manga vai a Gramado como o autor de ``Nem Sansão Nem Dalila", ``Matar ou Correr", ``O Homem do Sputnik" e outras comédias que marcaram época no cinema brasileiro.
``Quando recebi o convite, fiquei tão emocionado que tive de passar o telefone para a minha mulher", confessa o cineasta brasileiro que mais se deu bem no vídeo, mas que trocaria tudo por uma nova carreira na tela grande.
``O cinema sempre foi e continuará sendo a minha grande paixão". Sempre quer dizer desde 1935, mais ou menos, quando ele viu o primeiro filme de sua vida.
*
Folha - Você ainda se lembra que filme era e em qual cinema o viu?
Carlos Manga - Foi no cine Ipiranga, em Jacarepaguá (zona oeste do Rio). Eu tinha sete para oito anos. Não me lembro direito do título: ``As Aventuras do Dr. Gogol" ou ``O Estranho Dr. Gogol", algo assim.
Era sobre um cientista, com óculos de lentes muito grossas, que encolhia as pessoas e as punha dentro de uma xícara para nadar. Este filme me impressionou tremendamente. Nunca mais o vi, nem conheço quem o tenha visto.
Folha - Pela descrição, o dr. Gogol parece o dr. Cyclops encarnado por Albert Dekker no filme ``Delírio de um Sábio", feito pelo mesmo diretor de ``King Kong".
Manga - O nome dele era Gogol, mesmo; disso tenho certeza.
Folha - Além desse, que outros filmes marcaram a sua infância?
Manga - Quatro anos depois, eu me apaixonei pelas ``Aventuras de Robin Hood", do Michael Curtiz, com Errol Flynn. Foi quando me dei conta de como o cinema é capaz de nos empolgar e nos envolver magicamente. Até hoje ``Robin Hood" mantém o mesmo frescor de quando foi feito. É um clássico do filme de aventuras.
Folha - Quantas vezes por semana você ia ao cinema?
Manga - Na infância e adolescência, via um filme por dia, durante a semana, e de dois a quatro nos fins-de-semana. Morava num bairro (Tijuca, zona norte do Rio) cercado de cinemas: Metro, Carioca, Olinda, Tijuquinha...E ainda frequentava os do centro, os da Cinelândia. Adorava, especialmente, o Palácio, onde, no início de cada sessão, as luzes iam-se apagando por camadas, criando um clima de magia que há muito deixou de ser cultivado.
Folha - Quando foi que a paixão pelo cinema deu lugar à vontade de fazer cinema?
Manga - Vontade eu já tinha há muito tempo, mas achava impossível fazer cinema aqui do jeito como se fazia em Hollywood. E, assim, fui estudar direito e trabalhar num banco (Boavista, agência Tijuca). Para aplacar meu desejo de imitar os musicais da Metro, criei o Sinatra-Farney Fã-Clube, no final da década de 40.
Fiquei amigo do Dick (Farney) tão logo ele voltou dos EUA, em 1947, e montei vários shows em clubes, com ele e Nora Ney. Dick também era louco por cinema. Houve época em que víamos, juntos, até dois filmes por dia. Só quando assisti a ``Carnaval no Fogo", do Watson Macedo, é que cheguei à conclusão de que dava pé fazer cinema no Brasil.
Folha - Que providências você tomou ao descobrir isso?
Manga - Todas ao meu alcance. A primeira oportunidade surgiu quando Dick foi convidado para fazer ``Somos Dois", dirigido pelo Oswaldo Sampaio, que ficou morando na casa do Dick, na Urca (zona sul do Rio), enquanto escrevia o roteiro.
Toda folga que eu tinha no banco, eu me mandava pra Urca, pra ver o Oswaldo trabalhar e dar meus palpites. Achava aquilo o máximo, e até me perguntava como era possível alguém ainda ganhar dinheiro para fazer cinema.
Folha - A Atlântida veio logo depois?
Manga - Veio. Era o grande estúdio de cinema do Rio, na época. Mas, evidentemente, não era a Metro, longe disso. Entrei lá levado pelo Cyll Farney, irmão do Dick, que então iniciava sua carreira de galã. De cara, encontrei o Watson Macedo serrando, humildemente, um pedaço de madeira para um cenário. E eu que o imaginava atrás de uma mesa imensa, fumando charuto e cercado de secretárias como Cecil B. De Mille...
Folha - Por onde você começou na Atlântida?
Manga - Bem por baixo, fazendo pequenos serviços. Graças a um pistolão, consegui transferência para o almoxarifado. Sabe por quê? Porque ele ficava num alpendre, em cima do estúdio, de onde se podiam ver todas as filmagens. Na hora do almoço, eu descia e dava uma grana a um assistente de câmera para que ele me deixasse mexer nas lentes e aprender o que cada uma delas enquadrava.
Por incrível que pareça, foi trabalhando no almoxarifado da Atlântida que aprendi os rudimentos da técnica cinematográfica.
Folha - Em ação, mesmo, quando é que você entrou?
Manga - Fui assistente de montagem do (J.B.) Tanko e do Waldemar Noya em ``Areias Ardentes" (1952), assistente de direção do Jorge Ileli e do Paulo Wanderley em ``Amei um Bicheiro", logo em seguida, e acabei escolhido para dirigir as partes dos cinejornais da Atlântida que promoviam os filmes produzidos pela empresa. Bolei toda a promoção de ``Carnaval Atlântida", do (José Carlos) Burle.

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sobre Carlos Manga à pág. 4

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