São Paulo, quarta-feira, 9 de agosto de 1995
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O homem da decisão

JANIO DE FREITAS

A incompatibilidade de José Milton Dallari com seu cargo no governo não depende da comprovação de que tenha feito tráfico de informações privilegiadas. Não depende, também, de que sejam suas as assinaturas de recibos dados pela suposta consultoria Decisão a grandes empresas e associações empresariais.
Essa prodigiosa consultoria, com um funcionário, uma copeira, um contínuo e duas estagiárias de sobrenome Dallari, faturou em 94 US$ 600 mil (só considerados aí os recibos que o deputado Arlindo Chinaglia obteve), fornecendo orientação a industriais e comerciantes sobre preços, valores, transações e operações contábeis. Aceite-se tal atividade como verdadeira, dispensando o tráfico direto de informação como a fonte da receita.
Dono de 95% da Decisão, o beneficiário dos lucros da orientadora de empresários e negócios é Dallari -justamente o encarregado, no governo, de aceitar ou recusar aumentos de preços, analisar tarifas pagas pelas empresas, fazer listas de produtos protegidos pelas restrições à importação, propor quotas para produtos importados.
Mesmo sem considerar a existência de tráfico de informação, Dallari, como dono quase absoluto da Decisão, é o beneficiário dos lucros provenientes de orientação empresarial sobre decisões governamentais de que o próprio Dallari é o responsável, na maioria dos casos. E, na minoria, íntimo co-responsável. Com ou sem tráfico de informação, o Dallari do governo faz o lucro do Dallari empresário. Com ou sem presença direta na Decisão, bastando-lhe ser o destinatário quase exclusivo dos lucros.
O que está posto como aspecto principal a ser demonstrado no escândalo Dallari é, portanto, irrelevante. Sua incompatibilidade moral e legal com o cargo precede a acusação de venda de informações governamentais a empresas.
Não o acometeu, porém, a síndrome da incompatibilidade adquirida. Ao ser nomeado para o atual cargo pelo então ministro Fernando Henrique Cardoso, por indicação à época atribuída, publicamente, a José Serra, Dallari já era incompatível com o cargo: até à véspera da posse, exercia pessoalmente, na Decisão, a atividade que hoje diz ter deixado na consultoria com o seu preposto. Foi nesta atividade que o agora presidente o foi buscar para exercer, supostamente, a atividade oposta, passando de repente, veja só, de aliado orientador a adversário opressor dos mesmos empresários.
O então ministro não sabia. Vá lá. Mas o presidente que confirmou Dallari, este sabia. Soube quando ainda ministro. Mesmo que não lesse jornais, em que as atividades de Dallari foram descritas, em março de 94 recebeu a carta, ontem lembrada na Câmara por seu autor, deputado Alexandre Cardoso, em que toda a Assembléia Legislativa fluminense mencionava os precedentes do secretário de Preços e pedia, em razão deles, sua exoneração. O deputado e a Assembléia esperam a resposta há um ano e cinco meses.
Dallari foi posto no governo para fazer exatamente o que tem feito.

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