São Paulo, quarta-feira, 9 de agosto de 1995
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Dirigentes, dirigidos e balança comercial

AFFONSO BRANDÃO HENNEL

Temos, no momento, estimulantes propostas e alguns fatos para ocupar o tempo disponível da nossa vida empresarial. O governo quer, e está conseguindo, reduzir o nível da atividade econômica, dando uma esfriada no ímpeto consumidor deste desavisado povo que sai por aí comprando de tudo por não saber o que é bom para si mesmo.
Então, examinemos os fatos. Inicialmente, enfrenta-se uma boa subida nos juros, que se destina a acalmar um pouco esse hábito de comprar a prestações ou com cheques pré-datados e semelhantes. Isso já afasta os consumidores dos balcões das lojas, dando uma bela refrigerada nos seus ímpetos (para este momento) consumistas.
Essa iniciativa poderia deixar os empresários do comércio ocupadíssimos, trafegando pensativamente entre seus balcões vazios e seus depósitos repletos. Esse tráfego de empresários entre balcões e depósitos ainda conteria uma certa satisfação adicional para planejadores ostentando ares acadêmicos e satisfeitos, como aqueles de gatos com pássaros nas mandíbulas.
Logo após essa subida de juros, vem um substancial aumento de tarifas, que, por ser intencionalmente exagerado, certamente irá acalmar a importação desvairada de automóveis que está acabando com nossas reservas cambiais.
Naturalmente, as tais importações, inoportunas e quase malévolas, foram estimuladas ao governo, ao promover uma moderna abertura de mercado, destinada a ensinar aos vagarosos produtores locais como se deve fazer para fabricar veículos tecnicamente avançados e ainda lucrar, vendendo a preços baixos.
Tudo para conforto e benefício do (naquele momento) sofrido e meritório comprador que, impelido por uma espécie de reserva de mercado, era forçado a comprar veículos caros, de baixa qualidade e comparáveis a carroças, na opinião de um dirigente menos afortunado.
Nesse cenário, os heróis de risco, ou seja, os importadores (aqueles para os quais hoje pode, amanhã não deve e após, fica impossível importar) iriam salvar a situação entregando ao mercado comprador produtos maravilhosos e baratos. Tudo funcionando às mil maravilhas, com um mínimo de exageros liberatórios (como no caso das importações via correio), mas, ainda assim, com um saldo amplo de satisfação para dirigentes e dirigidos, bem como de modernidade e baixos custos.
Talvez esta gloriosa etapa da abertura do mercado brasileiro esteja sendo tema de conferências de estagiários na respeitada, embora norte-americana, Universidade de Harvard.
Mas (e sempre acaba aparecendo um mas) o inesperado aconteceu com esse mercado faminto de compradores pouco judiciosos. O consumo, em vez de acalmar-se, acirrou-se ainda mais. Os números dos produtos importados foram crescendo e os volumes de importação aumentando, em função da frenética atividade dos heróis de risco e do desejo insopitável de comprar por parte do consumidor.
O consumo, explosivamente aumentado, foi ganhando proporções semelhantes a uma situação já muito conhecida de nossas experientes e irrepreensíveis vovós: fogo morro acima, água morro abaixo e mulher que quer namorar, desista. É impossível segurar.
Agora, a pérola das pérolas consistiria em que o governo, no afã de conter a demanda de automóveis, por exemplo, limitasse sua produção.
- Mas limitar por quê?, perguntaria um dirigido.
- Ora, para ajudar o equilíbrio da balança comercial, responderia um dirigente.
- Mas como?, voltaria o dirigido.
- Reduzindo as compras de peças importadas necessárias à fabricação em 30% e, portanto, o total da produção pela simples instauração de um sistema rígido de cotas de importação, diria o enfadado dirigente.
- Mas será que ajudar o equilíbrio da balança comercial sufocando a produção não teria o efeito perverso de prejudicar a inflação pelo aumento de preços e também o consumidor nacional?, diria humildemente o constrangido, porém insistente dirigido.
-Talvez sim, talvez não! Mas ajuda a balança comercial!, responderia o agora um pouco irritado dirigente, continuando: - Além do que, como foi isso que fizemos recentemente com toda a indústria eletrônica de consumo, motocicletas e parte da informática, logo saberemos!

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