São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Cientistas criticam mudança na legislação para seres vivos

VANESSA DE SÁ

VANESSA DE SÁ; PAULO FERNANDO SILVESTRE JR.
DA REPORTAGEM LOCAL

A vice-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Glacis Zancan, diz que o principal problema do atual projeto de lei das patentes é a possibilidade de patentear seres vivos.
``Temos de descobrir uma forma jurídica de proteger o nosso patrimônio, a biodiversidade."
Segundo Glacis Zancan, o primeiro anteprojeto de lei excluía do patenteamento seres vivos e microorganismos. Mas, segundo ela, uma emenda posterior teria permitido a inclusão dos microorganismos na lei.
Glacis Zancan alega que, sem a definição, além das bactérias e outros seres vivos microscópicos (definição clássica de microorganismo) seriam incluídas células ``imortalizadas", aquelas que são cultivadas em laboratório.
Consequência: células vegetais (que têm capacidade de originar todas as demais células de um ser vivo) seriam, a princípio, classificadas como microorganismo e poderiam tornar-se patenteáveis.
Sérgio Pena, representante no Brasil no Projeto Genoma Humano e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que o Brasil deve resistir às pressões norte-americanas.
``A lei deve ser aprovada sem pressa, visando os interesses da população", diz.
Para o ex-presidente da SBPC e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) Crodowaldo Pavan, o patenteamento de seres vivos e medicamentos é uma ``vergonha".
``Não tenho nada contra patentear cinzeiro ou carros. Mas o patenteamento de medicamentos levaria ao encarecimento desses produtos o que, para um país subdesenvolvido, é um absurdo", diz.
Para o biólogo molecular da Universidade Federal de Brasília, Spartaco Astolfi, votar às pressas a lei, sem a implementação de uma política de desenvolvimento científico e tecnológico, é impedir que o país consiga competir de igual para igual.
``A princípio, não sou contra a Lei de Patentes, mas ela tem que vir acompanhada de incentivos por parte do governo para o desenvolvimento científico do país."
Pavan acredita que o governo não deve ceder às retaliações, que ``são sempre temporárias".
``Eles dizem que vão nos cobrar o US$ 1 bilhão perdido ao ano. Mas, o que significa essa quantia para quem já ganha mais do que US$ 300 bilhões? Isso é choro de milionário salafrário", diz.
O cientista social e ex-presidente da SBPC Aziz Ab'Saber acha ``inominável" que os Estados Unidos estejam se ``aproveitando da inferioridade do Brasil" e fazendo pressões.
``O Brasil não está à altura para se defender", diz. Segundo ele, ``os EUA dizem querer a globalização da economia, mas, ao mesmo tempo, fazem pressões para defender seus interesses."
``É uma negação da sinceridade da idéia de uma economia globalizada. Se eles perdem US$ 1 bilhão por ano, imagine quanto perdemos em relação aos preços de nossos produtos lá fora. Dou meus pêsames ao governo Clinton."

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