São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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As patentes e o monopólio da cura

DANTE ALÁRIO JR.

Em poucos dias, o Senado Federal estará apreciando o Projeto de Lei Complementar nº 115/93 sobre a propriedade industrial. Mais conhecido como projeto de Lei das Patentes.
O PLC contém divergências profundas entre a visão daqueles que pretendem um Brasil desenvolvendo científica e tecnologicamente sua indústria e aqueles que simplesmente querem o país como filial da grande indústria multinacional, especialmente no setor de medicamentos.
Numa época em que o mundo caminha para a globalização econômica, que implica em maior competitividade comercial, o Brasil corre o risco de aprovar uma legislação sobre patentes que impedirá a livre concorrência ao não permitir a similaridade de produtos, essencial para a competitividade.
Se o projeto for aprovado como está, será estabelecido o monopólio na produção de medicamentos e daremos um passo atrás no desejo do presidente da República de inserir o Brasil na globalização incentivando a competição comercial.
Somos favoráveis ao sistema de patentes, desde que não se estabeleçam monopólios. O inventor deve ser remunerado pelo trabalho de pesquisa e desenvolvimento e pelo uso que se faça de seu conhecimento ou invento. Mas o ideal patentário só se realiza plenamente na medida em que mais e mais pessoas se beneficiem da descoberta.
Do contrário, esse ideal tem destinação meramente econômica. Como bem disse o ex-presidente José Sarney, ``o mundo do futuro será aquele em que os saberes não sejam comercializados, mas patrimônio da humanidade".
O acordo celebrado no Gatt (agora Organização Mundial do Comércio) determina que haja patentes, mas também fixa normas para os países se adequarem à nova legislação. O Brasil ratificou o acordo, porém, a Câmara de Comércio dos Estados Unidos pressiona o governo federal para adotar medidas que extrapolam os termos do Gatt.
Termos que prevêem transição de dez anos para a nova legislação, mas os representantes da indústria norte-americana e o próprio governo dos Estados Unidos querem nos impor prazo de apenas um ano. É bom lembrar que a Argentina, nosso parceiro no Mercosul, fixou período transitivo de cinco anos.
Como fica nossa situação no Mercosul se não tivermos legislação minimamente coincidente? Alguém há de perguntar: se o Brasil já aderiu ao acordo internacional, que interesse há em fazê-lo adotar outras medidas unilateralmente? Apenas e tão-somente o interesse mercadológico. Quanto mais cedermos, mais vão querer de nós.
Outro aspecto prejudicial ao país é o dispositivo do ``pipeline" (ou retroatividade da patente), não previsto no Gatt, mas contido no PLC 115/93. Um abuso, já que as empresas estrangeiras quando aqui se estabeleceram conheciam nossa legislação. Nenhuma multinacional decide abrir filial num país cujas regras de mercado lhe desagradem. Não podem, agora, requerer patente retroativa.
As multinacionais alegam que sem patentes não há investimento no país. Nós afirmamos que com patentes há ``desinvestimento", já que os recursos são empregados na matriz, onde se desenvolvem as pesquisas, a ciência e a tecnologia.
O país sede da filial passa a ser mero distribuidor dos produtos, não há oferta de emprego. O professor Rogério Cerqueira Leite lembra que apenas 0,3% das patentes existentes beneficiam os países em desenvolvimento, apesar de estes conterem uma população seis vezes maior que os desenvolvidos.
O Chile virou um entreposto comercial, já que os cinco maiores laboratórios multinacionais fecharam suas plantas industriais e passaram a importar os produtos. No Peru, as nove maiores indústrias também fecharam suas plantas. Hoje, só importam, a exemplo de outras quatro que antes fabricavam no território peruano associadas a terceiros. Estes dois países adotaram lei de patentes que não prevê obrigatoriedade de produção local.
O Brasil vive situação semelhante desde 1990. Johnson & Johnson, Pfizer, Bristol-Meyers Squibb, Wyeth e Merrel-Lepetit fecharam suas unidades de produção de matéria-prima e passaram a importá-las, juntamente com inúmeros produtos prontos. Isso acarreta desindustrialização, desemprego e aumento de preços.
Se o Senado aprovar a Lei de Patentes como pretendem os Estados Unidos, o Brasil ficará nas mãos das multinacionais para a cura de várias doenças que assolam milhões de brasileiros. Hoje o país importa a tetraciclina, essencial no combate ao cólera, e a oxamniquina, para tratamento da esquistossomose (da qual até 1992 o país era exportador). Ter sua própria indústria desenvolvida é questão de soberania para qualquer nação.

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