São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Os culpados

JANIO DE FREITAS

Os vários inquéritos providenciados são, todos, desnecessários: os sem-terra que invadiram o latifúndio em Rondônia já estão condenados, em todas as declarações oficiais, pelo massacre de que foram vítimas. E, ainda que não fosse assim, nenhum inquérito indicaria os culpados maiores, nem alguma vez os culpados maiores foram apontados na mortandade que se repete ano a ano.
Diz o governador de Rondônia, o peemedebista Valdir Raupp, que os sem-terra mataram primeiro, estavam infiltrados de atiradores de elite, são guerrilheiros interessados em minérios. Valdir Raupp é um dos culpados maiores pelos assassinatos de Rondônia e o é duplamente: a PM é tropa sob sua responsabilidade, e as famílias ocuparam um pedacinho do latifúndio há um mês, sem que o governo de Rondônia cuidasse de resolver o problema com uma das tantas soluções ao seu alcance.
O presidente do Incra, o latifundiário Brazílio de Araújo Neto, diz que ``o Incra não tem nada a ver com isso". O Incra talvez não, porque é uma instituição, e as instituições dependem dos que as conduzem e dos governos aos quais servem. Mas Brazílio de Araújo Neto tem tudo a ver com aquilo: é um dos culpados maiores. Entre as finalidades que justificam a existência do Incra está a de prevenir e dirimir conflitos pela posse de terras exploráveis, assim como está a de promover a instalação de agricultores sem terra. O Incra não se mexeu para cumprir sua finalidade durante todo o mês entre a invasão e o massacre.
E não são menos culpados os que, na Presidência e nos ministérios do Planejamento e da Fazenda, estabelecem as políticas do governo. Uma delas, evidenciada por fatos inquestionáveis, é a da desimportância atribuída à situação de desespero dos quase cinco milhões de famílias de agricultores que perambulam, tangidos pelo abandono, nos campos vazios da especulação fundiária -campos, em grande proporção roubados do patrimônio público por certidões falsas e por ``doações" incabíveis de governantes ordinários.

Capachos
Os quase oito meses de governo não foram suficientes aos ministérios da Fazenda e do Planejamento para formularem um projeto de reforma tributária. Embora a criação de um sistema de impostos mais inteligente fosse dado como prioridade principal do novo governo, tudo o que os dois ministérios conseguiram desovar, até esta altura, foi uma ligeira modificação no ICMS, o possível fim de taxas de exportação, duas ou três coisinhas assim.
Integrantes do coro que acompanhava Fernando Henrique na pregação de uma reforma tributária urgente, os deputados Luís Eduardo Magalhães (presidente da Câmara), Inocêncio Oliveira, José Aníbal e Michel Temer (líderes do PFL, PSDB e PMDB) encabeçam agora um movimento para que a reforma tributária seja relegada ao futuro não sabido. Seu argumento: as propostas do governo são muito tímidas. Sua proposta: ocuparem-se, governo e Congresso, da reforma administrativa.
Acontece que os quase oito meses também não foram suficientes para que o governo formulasse um projeto de reforma administrativa. Ainda que todos os estudos mais sérios dêem o atual número de 585 mil funcionários como insuficiente para as necessidades do país, a idéia central do projeto do governo é a demissão de funcionários, o perigoso fim da estabilidade. Não há projeto de reforma administrativa. Tudo o que existe é um precário anteprojeto de regime dos servidores públicos.
No Congresso há, porém, várias propostas de reforma tributária, da iniciativa de parlamentares. O que é que fazem, quando o governo não tem a iniciativa ou não a tem à altura do necessário, lideranças parlamentares responsáveis? Conduzem o Congresso a assumir a responsabilidade que o justifica: a de Poder Legislativo. Mas, aqui, o carreirismo e a leviandade reduzem o Poder Legislativo a um conjunto de caros serviçais do Poder Executivo. Ou, como dizia a boa expressão em desuso, a capachos.

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