São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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A volta da sabedoria econômica

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Os dólares voltaram e com eles retornou revigorada e orgulhosa a sabedoria econômica do sr. Gustavo Franco. Domingo último, nas páginas do ``Jornal do Brasil", Franco vai à forra dos críticos que o atormentaram no período de vacas magras e promete dias gloriosos para o Real.
Pontos mais importantes da entrevista: 1) estavam enganados os que projetaram o risco de uma crise cambial, partindo da hipótese que o efeito tequila tornaria inviável o financiamento de déficits em conta corrente em torno de 2,5% do PIB; 2) a crise mexicana foi um acidente de percurso e depois de um período de flutuações os países emergentes voltaram a encontrar o seu lugar nos mercados financeiros; 3) a entrada de poupança externa está contribuindo para a elevação da taxa de investimento e, dessa forma, não há porquê se preocupar com seus efeitos em relação à expansão da dívida pública interna; 4) o expansionismo da política fiscal impõe à política monetária o ônus de evitar o superaquecimento da economia, daí a manutenção de taxas de juros elevadas.
Em relação ao primeiro mandamento dessa lei de quatro tábuas, tudo indica que os críticos estavam calculando um déficit em conta corrente em torno de 4% do PIB para este ano. Tudo indica que esse saldo negativo vai se acomodar em 3% em 1995. É ainda um valor elevado, diante da volatilidade dos mercados financeiros. Mantida a forte trajetória recessiva da economia, é possível que o déficit em conta corrente caia ainda mais nos próximos meses.
Todos imaginam e desejam que, em algum momento, a economia volte a crescer. Torceremos. Se isso acontecer, o saldo negativo em conta corrente voltará a incomodar, pressionado pelos compromissos financeiros que nascem da nova dívida externa e em razão da mudança de natureza estrutural ocorrida na demanda de importações. Tio Gustavo não fala da taxa de câmbio real e parece, portanto, mais sábio nas omissões do que nas assertivas.
A segunda lei de Franco, a da normalização dos mercados financeiros para os países emergentes, não parece lá muito sólida. As emissões brasileiras de bônus no mercado internacional estão sendo realizadas com um prazo médio bastante inferior ao daquelas efetuadas no período anterior ao desmantelo mexicano. Os diferenciais de taxas de juros aumentaram significativamente, entre as emissões brasileiras e as de outros países mais votados, inclusive alguns emergentes.
Fora isso, continua entrando uma massa de dinheiro que se banqueteia com as generosas taxas de juros domésticas que, em dólar, estão proporcionando uma remuneração em torno de 23% ao ano.
É improvável que essa "poupança externa", mais rapidinha do que baratinha, esteja financiando algum investimento numa conjuntura recessiva, como pretende a macroeconomia do dr. Gustavo. Sendo assim, parece certo que essa entrada líquida de dinheiro externo de curto prazo está mesmo é engordando a dívida pública e dissipando os ganhos fiscais que porventura tenham ocorrido ao longo dos últimos 12 meses. Não por acaso, a carga de juros entre janeiro e junho sobre julho/dezembro de 1994 cresceu 44,5%, contra um crescimento das despesas totais da ordem de 5%.
O outro destino da "poupança externa" do dr. Gustavo é substituir dívidas em reais por dívidas em dólar nos passivos das empresas e das famílias. Os financiamentos em dólar são caros, mas ainda mais baratos do que os inexistentes créditos em reais.
Vem ocorrendo, como é natural, uma dolarização de passivos, à semelhança do que se observou no México e, em escala maior, na Argentina. Isso significa que se amplia o número dos que estarão solidários com a política de valorização do real. Terão no futuro o privilégio de quebrar em dólar. É mais chique.
Quanto à justificativa para a manutenção das taxas de juros elevadas -o expansionismo fiscal contido por uma política monetária austera-, não merece nem sequer um sorriso de canto de boca. Quem quiser saber dos juros, procure o câmbio.

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