São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Governadora não é copeira nem pedinte

OSIRIS LOPES FILHO

Minha admiração pelas mulheres fortaleceu-se na semana passada. Ao ler na Folha do dia 9 entrevista da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, tive um pensamento: que atitude viril!
Para começar, a dra. Roseana foi a única ausência -em protesto, pois nem enviou representante- na reunião dos governadores, em Belo Horizonte (MG), com os ministros Malan, Jobim e Serra, para ouvirem o que um cientista alemão poderia classificar como vagos e confusos prolegômenos à introdução formal de um pré-esboço de destruição da Federação.
A governadora fez séria e racional defesa da Federação e, por consequência, da autonomia financeira dos Estados, objetivando manter neles o poder de disciplinar sua principal fonte de receita -o ICMS-, protestando contra a tentativa de torná-lo federal.
E colocou o dedo na ferida, ao reagir contra a tendência antifederativa que se desenha. Disse: ``Para que centralizar? Para a gente ir todos os dias, de pires na mão, pedir dinheiro em Brasília?".
A clareza das suas posições mostra que corpo delicado e charmoso pode também expressar coragem e lucidez, de quem não está prestigiando as conveniências nem se rende ao ritual costumeiro dos salamaleques, tão do agrado das elites políticas do país, a comprometer a seriedade que deveria pautar seu comportamento.
Essa reunião promoveu um pequeno avanço na nossa democracia, que os arautos oficiais vocalizam estar amadurecida. Tentou aumentar o pluralismo político. Iniciou tímida abertura no poderoso centralismo político existente.
Os pólos de tomada de decisão, em matéria constitucional, que antes eram o Poder Executivo federal e o Congresso, tiveram um pequeno acréscimo -os governadores-, embora no papel bem-comportado de ouvintes.
O processo de abertura, que se iniciou há uma década, algum dia chegará a consultar o povo, fonte do pagamento dos tributos e que deveria ser o destinatário da boa prestação dos serviços públicos.
Na reunião, foi anunciado o propósito do governo federal de que não se cobre o ICMS sobre a exportação dos produtos semi-elaborados (produtos primários).
Para não assustar mais ainda os governadores do Centro-Oeste, Nordeste e Norte, que contêm Estados majoritariamente produtores agrícolas e pecuários e do extrativismo vegetal e mineral, prometeu-se a criação de um fundo, com recursos dos impostos sobre o comércio exterior (importação e exportação), que compensaria a evidente perda de receita. Falou-se também dos objetivos de simplificar o sistema tributário.
Em homenagem ao gesto da governadora Roseana e procurando, mais uma vez, auxiliar o presidente a cumprir uma das promessas feitas no seu programa de governo, de desonerar do ICMS as exportações de produtos primários, sugiro uma solução conciliatória.
O governo federal está generoso. Diz que criará um fundo para ressarcir as perdas, embora não tenham sido expostos os critérios de distribuição desses recursos.
Para tranquilidade dos governadores dos Estados produtores de bens primários, com vocação exportadora, deve-se continuar a tributar no ICMS a exportação.
E o fundo a ser criado teria a função de ressarcir os pagamentos do ICMS feitos pelo exportador. A proposta seria vantajosa para os governos estaduais, que teriam os recursos do ICMS sem precisar recorrer à Brasília de pires na mão; agradaria os importadores no exterior, pois lhes seriam vendidos produtos sem exportação de imposto; e daria possibilidade ao governo federal de mostrar sua eficiência, na medida em que agilitaria a restituição do montante do ICMS pago pelo exportador.
Termino meu artigo gratificado. Sinto que as musas não são inspiradoras apenas de poesias, mas também de assuntos técnicos. E a governadora Roseana, musa desse artigo, propiciou-me a oportunidade de colaborar no aperfeiçoamento das propostas governamentais.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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