São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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A reforma que virou pacote

MARCOS CINTRA

Na discussão da reforma tributária, tudo indica que a tradição brasileira dos últimos anos será mantida: o governo insistirá em tributar mais e o contribuinte insistirá em continuar sonegando.
Persistirá o drama de um sistema tributário altamente ineficiente, custoso, injusto, maldistribuído e cada vez mais complexo, cheio de remendos, casuísmo e improvisações. O que era para ser uma reforma tributária acabará sendo apenas mais um pacote fiscal, como vem ocorrendo pontualmente a cada final de ano.
É um triste círculo vicioso, que só tem um vencedor: a burocracia, pública e privada. A estrutura de arrecadação, fiscalização e controle de tributos vê, a cada "reforma" tributária, aumentar seu poder e sua influência, enquanto o setor produtivo e os assalariados assistem, perplexos, à ligeireza com que o governo mete a mão em seus bolsos a cada vez que sente dificuldades de caixa.
Desse processo, vem resultando a crescente complexidade da estrutura tributária brasileira, com a inevitável expansão da economia informal, da sonegação e da corrupção.
Esse diagnóstico decorre dos rumos da atual discussão sobre a reforma tributária. O governo não pretende reformar o sistema. Fará uma meia-sola, alterando o método de cobrança de dois impostos sobre circulação: o ICMS e o IPI. E, mesmo assim, as alterações aparentemente somente serão implementadas a partir de 1998.
Fala-se também em mudanças no Imposto de Renda das empresas para reforçar a arrecadação. O que é frequentemente esquecido é a assimetria na incidência dessas modificações tributárias. Muitas empresas se protegem na economia subterrânea, reduzindo suas cargas tributárias. Outras simplesmente sonegam.
Por outro lado, as que não podem ou não desejam se evadir, já arcam hoje com tributação extorsiva, que chega a 48% sobre o lucro. Para estes, as "reformas" tributárias significam aumentos de custos, redução de margens, tentativas de repasses inflacionários a preços e concorrência crescentemente desleal por parte dos sonegadores.
Não bastassem essas dificuldades, há quem proponha mais impostos.
A Contribuição sobre Movimentação Financeira poderá ser aprovada pelo Congresso Nacional em homenagem à figura do ministro da Saúde. Trata-se de imposto altamente robusto e eficiente, mas que contribuirá para aumentar a carga tributária daquela parcela da economia que já está excessivamente onerada. Seria ótimo como Imposto Único, mas não como um tributo a mais.
Mais alarmante ainda é a sugestão de criação do Imposto de Renda Estadual, que poderá se materializar como uma sobretaxa no atual Imposto de Renda. Essa proposta contraria a atual tendência mundial de reduzir o peso dos impostos diretos e aumentar o dos impostos indiretos.
Embora ainda sejam os mais significativos nas estruturas de arrecadação, os impostos diretos vêm perdendo participação relativa na receita tributária dos países desenvolvidos do mundo.
Os impostos diretos, como o Imposto de Renda, encontram maiores resistências do contribuinte e são mais difíceis e caros de serem arrecadados. O desembolso dos valores tributários é feito sem a contrapartida imediata de prestação de serviços.
Por isso, o contribuinte refuga, principalmente quando se sabe que a qualidade dos serviços públicos, como ocorre no Brasil, é a pior possível. Já os impostos indiretos, por comporem os preços dos bens privados adquiridos pelo consumidor, não encontram tantas resistências.
O contribuinte iguala o preço (com impostos) à utilidade marginal dos produtos consumidos e, com isso, só paga o imposto enquanto ele for inferior ou igual ao valor da utilidade que supera o preço do produto sem imposto.
Tecnicamente, o consumidor só paga o imposto que deseja pagar, ou seja, enquanto o valor do tributo for menor que o "consumer surplus" da mercadoria adquirida. Nesse sentido, a arrecadação não encontra tantas resistências do contribuinte.
Em um momento no qual se sabe que a carga tributária bruta brasileira salta dos patamares históricos de cerca de 25% para mais de 32% do PIB (e há quem afirme que poderá chegar a 35%), o "pacote tributário" que poderá surgir até o fim do ano representa mais uma decepção para quem esperava que o governo encaminhasse uma proposta ousada e corajosa.

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