São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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A crise que não interessa ver

WALTER LAFEMINA

Uma bomba de efeito retardado está acionada. Sua explosão não será de uma única vez, como ocorreu há 50 anos, em Hiroshima. Paulatina e progressivamente, seus efeitos se farão sentir e, no curto prazo de dois meses, ela terá vitimado cerca de 240 mil pessoas.
O nome dessa bomba é paralisação da indústria imobiliária. Um setor que, quando desarticulado, faz do território nacional um imenso campo minado, detonando crise social irreversível. Uma crise que não interessa ver, pois isso significa admitir equívocos.
Quando a equipe econômica decidiu, através da MP 1.053, iniciar o processo de desindexação da economia, novamente se equivocou ao ignorar os setores de longo prazo. A MP, hoje de número 1.079, rompeu com o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos e parou o mercado. Acontece que parar este mercado não representa apenas desaquecer a economia. São inúmeras as etapas e os processos que envolvem as atividades imobiliárias.
A complexidade da área é enorme e seu ciclo operacional compreende de cinco a dez anos. Como é possível manter o setor funcionando sem que seus contratos sejam equilibrados? Como manter equilíbrio contratual sem que haja ajuste anual de valores?
O mercado parou. E os resultados dessa paralisação são muito maiores do que se pode imaginar. Param, também, os empregos. E emprego era um dos dedos da mão das prioridades de Fernando Henrique Cardoso, quando candidato à Presidência da República.
Em termos verdadeiros, comprobatórios, inclusive, de que a crise social não é um mero instrumento de apelo do empresariado, é imprescindível seguir o seguinte raciocínio:
1) a indústria imobiliária responde por um milhão de empregos diretos e indiretos, em todo o Estado de São Paulo. Com a paralisação dos lançamentos desde julho, pode-se estimar que aproximadamente 3% dos trabalhadores diretos da construção imobiliária perdem seus empregos a cada mês, ou seja, cerca de 10 mil;
2) em nível estadual, o total de pessoas potencialmente desempregadas, em face da suspensão dos lançamentos imobiliários, é estimado em 30 mil ao mês;
3) conclusão: em apenas dois meses, a retração do nível da atividade imobiliária representa problema para, pelo menos, 240 mil pessoas no Estado de São Paulo, considerando que cada trabalhador do setor tenha, em sua família, três outras pessoas que dependem de seu emprego para viver.
Está evidente o tamanho e a gravidade da crise social anunciada pela desarticulação da indústria imobiliária. No que concerne à equipe econômica do governo, os véus já estão caindo. Com isso, inicia-se movimentação para resolver o problema, com sinais claros de ajustes na MP 1.079 em sua próxima reedição.
No Congresso, a reação é idêntica. Vários congressistas entendem que desestabilizar a vida de 240 mil cidadãos, em apenas 60 dias, é fatal para o Plano Real, para o país. Judiciário e imprensa, na sua missão de julgar e interpretar os fatos, também iniciam uma reação diante da realidade.
Restam, pois, uns poucos que, dizendo proteger os direitos dos consumidores, insistem em não ver a crise social anunciada. Permanecem herméticos, insensíveis, surdos à voz do mercado imobiliário, já rouca de tanto tentar mostrar os fatos.
Claro está que paralisar a indústria imobiliária não interessa. Até porque a área não gera inflação nem problemas cambiais. Apenas gera moradias e emprego. E gera, quando destruída, crise social incalculável. Uma crise que agora, felizmente apenas para alguns, não interessa ver. E que os empresários da indústria imobiliária esperam não detonar pela impossibilidade de continuar trabalhando, produzindo e empregando.

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