São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Fusões redefinem futuro da TV

Leis do lucro vão regular as próprias forças da sinergia

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Em 27 de outubro de 1954, estreou na rede ABC de televisão um dos primeiros programas a fazer uso enfático das cores como uma de suas atrações: chamava-se ``Disneylândia". Mas não foram as cores que tornaram ``Disneylândia" um marco na história da indústria da TV e sim o fato de que ela foi a cabeça-de-ponte do primeiro grande acordo entre uma rede de TV e uma produtora externa.
A própria ABC em seguida assinaria outro convênio com a Warner Brothers e, em especial depois de uma lei que tinha o objetivo de impedir a formação de trustes na TV, as redes praticamente pararam de produzir seus programas.
Quatro décadas depois, Disney e ABC são de novo as líderes de uma revolução na estrutura da indústria. Desta vez, na direção oposta: a reunificação dos setores de produção e distribuição de programas. A fusão das duas empresas líderes de cada um desses setores (Disney na produção, ABC na distribuição), seguida da fusão de outra rede, a CBS, com a Westinghouse, coloca em questão o futuro da TV nos EUA.
A primeira reação dos críticos foi: quanto menos gigantescas corporações controlarem o conteúdo do que se vê, lê e ouve no país, menores as possibilidades de escolha do público. Para esses críticos, não importa que as empresas detenham controle de dezenas, às vezes centenas de subsidiárias, cada uma levando sua vida mais ou menos autônoma da matriz.
Por exemplo, Benjamin Barber, professor de ciência política na prestigiosa Universidade de Rutgers, em Nova Jersey, costa leste, diz que a compra da ABC pela Disney é apenas a consolidação de um monopólio. ``Sinergia é apenas uma outra palavra para monopólio. O negócio da ABC é a mais recente manifestação das irresistíveis forças da economia e tecnologia globais que exigem integração e uniformidade", diz Barber.
Ele continua: ``Bens culturais de consumo de massa estão hipnotizando as pessoas em todos os lugares com música rápida, computadores rápidos, comida rápida, imagens rápidas, juntando nações numa rede, amarradas por comunicação, informação, entretenimento e comércio". Outros acham que o problema não é nada dramático. As leis do lucro vão regular as próprias forças da sinergia.
Quer dizer: a ABC não vai comprar programas ruins da Disney só porque eles pertencem à mesma empresa. A lógica da ABC e da Disney será comprar os melhores programas para obter maiores índices de audiência.
Ao contrário, a integração vertical na visão dessas pessoas, tende a beneficiar o consumidor, porque os custos vão diminuir e é muito provável que o produto final melhore de qualidade.
As preocupações são mais universais no que se refere ao jornalismo. As megafusões trazem questões muito reais para a qualidade da informação que vai passar a ser transmitida ao público depois delas. A mais grave: até que ponto a independência dos departamentos de jornalismo será mantida quando a matriz tem tantos vínculos de dependência com o governo como, por exemplo, a Westinghouse, nova dona da CBS?
A Westinghouse produz equipamentos que têm como principal cliente o Departamento da Defesa dos EUA. Exporta esses produtos para vários países. Que tipo de cobertura a CBS dará a assuntos vinculados a esses governos?
As superempresas da área de comunicações ficaram em sexto lugar entre os setores econômicos que mais contribuição financeira deram aos candidatos nas eleições de 1994. Como será a relação entre os jornalistas dessas empresas e os políticos eleitos com o dinheiro delas? Há também dúvidas mais filosóficas sobre o tipo de jornalismo que vai emergir como resultado da integração vertical.
Já há uma tendência a se enfatizar o que aqui se chama de ``infotenimento" (mistura de informação e entretenimento): assuntos entrando na pauta do jornalismo porque ajudam a promover filmes, discos, vídeos em lançamento por outros braços da empresa.
Será que o mais importante cantor de uma gravadora pertencente ao conglomerado da NBC será entrevistado pela ABC quando estiver lançando um novo disco? Será que um cantor menos importante da gravadora do conglomerado da ABC não vai ocupar mais espaço nos programas da rede do que mereceria? Sem mencionar, mais óbvio ainda, que tipo de cobertura a ABC ou a CBS dará às atividades nem sempre consensuais da Disney ou da Westinghouse.
Durante três anos, por exemplo, a Disney foi o pivô de mastodôntica luta de interesses em torno da construção de um parque de diversões sobre a história dos EUA numa área do Estado de Virginia, perto de Washington, onde batalhas decisivas da Guerra Civil foram travadas.
A comunidade, auxiliada por políticos e empresários locais e historiadores preocupados com a banalização da história, se levantou contra a Disney. A ABC fez uma cobertura correta e crítica da Disney. Faria de novo a mesma coisa em 1996 em situação comparável? Não há dúvida de que o mundo disneyzado será menor do que o atual. Mas talvez fique também mais complicado.(CELS)

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