São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Império começou nos anos 20

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Até pouco tempo atrás, quando se queria diminuir o valor de qualquer coisa nos EUA, bastava chamá-la de Mickey Mouse (carro Mickey Mouse ou salário Mickey Mouse ou marido Mickey Mouse). Agora, isso pode mudar. O neologismo depreciativo surgiu no final da década de 40, quando o país estava se afogando em relógios, gravatas, bonecos e camisetas com o símbolo de Mickey, em geral tudo de péssima qualidade.
O irmão e sócio de Walt Disney, Roy, foi o responsável pelo sistema nacional de franchising do principal personagem dos desenhos animados criados pela empresa que os dois fundaram em 1923, em Hollywood.
A união comercial de Walt (apelido de Walter Elias) e Roy teve início depois de o artista da família ter ido à falência em Kansas City, Missouri, Estado do meio-oeste do país, onde os dois foram criados. Walt havia iniciado uma produtora de desenhos animados junto com Ub Iwerks, um agora anônimo, mas, na época, indispensável parceiro artístico de Disney. Os dois faziam anúncios para cinema e curtas-metragens. Quando as coisas se tornaram inviáveis em Kansas City, eles se uniram a Roy, que já estava metido na selva dos estúdios de Hollywood. Os três sobreviviam, mas a fortuna só lhes sorriu em 1927, com Mickey.
O ratinho energético, esperto, malicioso, estreou no desenho ``Steamboat Willie" (Vapor Willie), o primeiro cartum sonoro da história do cinema. A voz de Mickey era a do próprio Walt Disney.
O caso de Mickey com o público norte-americano foi de amor à primeira vista. O grande sucesso só foi expandido nos anos seguintes, com a criação de novos personagens: Pato Donald, Minie, Pluto, Pateta, Tio Patinhas. Curiosamente, no mundo dos personagens de Disney, ninguém se casava nem tinha filhos. As crianças eram sobrinhas dos adultos. Mas, ao contrário do que argumentam muitos críticos, os personagens trabalhavam.
A ética do trabalho como forma de suceder na vida, aliás, foi o principal motivo por que o desenho ``Os Três Porquinhos", de 1933, colocou os estúdios Disney em ainda maior proeminência do que antes. Os porquinhos chegaram no meio da recessão e junto com o novo presidente, Franklin Roosevelt, eleito para acabar com ela. O público precisava do incentivo para o trabalho como fórmula para superar a crise.
Em fevereiro de 1938, o primeiro longa-metragem animado, ``Branca de Neve e os Sete Anões", foi outro êxito espetacular de bilheteria. Seguiram-se ``Pinocchio", ``Fantasia", ``Dumbo", ``Bambi". Durante a Segunda Guerra Mundial, Disney voltou a ajudar o governo, com várias produções patrióticas. No front interno, ele conteve, com grande truculência, uma revolta dos funcionários do estúdio na mesma época.
Os artistas de Disney se ressentiam com o seu estilo autoritário de gerência (que se mantém na empresa até hoje) e com o que chamavam de ``naturalismo" dos desenhos. Ao protestarem, foram demitidos em massa.
A partir de 1950, com ``A Ilha do Tesouro", o estúdio de Disney entrou no campo dos filmes de ação com atores humanos. Foram muitos novos sucessos, como ``20.000 Léguas Submarinas" e ``Poliana". Em 1954, Disney invadiu a televisão, com ``Disneylândia", ``A Marca de Zorro", ``As Aventuras de David Crocket". No ano seguinte, criou o primeiro parque de diversões, a Disneylândia, em Anaheim, Califórnia, costa oeste.
A idéia da integração vertical já existia nas cabeças de Roy e Walt Disney. Em 1954, eles fundaram a Buena Vista, empresa encarregada de distribuir os produtos do estúdio pelo mundo afora. Quando Walt Disney morreu, em dezembro de 1966, aos 65 anos, vítima de complicações provocadas por um câncer pulmonar, a empresa estava no auge do prestígio e da fortuna. Pouco depois, morreu também Roy.
Suas mortes desencadearam um processo de decadência que a muitos parecia irreversível. Os novos filmes, desenhos animados e séries de TV perderam público, e a companhia enfrentou sérios problemas administrativos. A única fonte de lucro eram os parques (em 1971 foi inaugurada a Disneyworld em Orlando, Flórida), que exploravam os personagens dos tempos de glória de Walt. As coisas começaram a melhorar de novo quando o genro de Walt, Ron Miller, assumiu a companhia em 1983 e fundou um novo estúdio, Touchstone, para produzir filmes para o público adulto.
A diversificação funcionou. Mas a empresa entrou em clima de guerra civil com a disputa pelo comando entre Miller e Roy E. Disney, sobrinho de Walt, da qual emergiu como vencedor o atual presidente, Michael Eisner.
Eisner, agora com 53 anos, era o presidente da Paramount e ajudou Roy E. Disney a derrotar Miller. Em troca da ajuda, estabeleceu-se como a única fonte de poder na empresa, condição que vem preservando há dez anos.
Ele reergueu a Disney. Produziu filmes populares (``Querida, Encolhi as Crianças" e ``Uma Linda Mulher") e desenhos animados de boa qualidade (``A Bela e a Fera", ``Rei Leão"), consolidou o canal de TV por cabo fundado por Ron Miller, entrou pesado no mercado de vídeo, comprou editoras, gravadoras, revistas e expandiu os parques para o exterior (Tóquio, Paris). No ano passado, teve sérios problemas: pôs quatro pontes de safena no coração, perdeu o principal assessor, Frank Wells, num acidente de helicóptero e demitiu o segundo principal assessor, Jeffrey Katzenberg.
Mas, com a compra da ABC no início do mês, realizou o sonho de Walt e Roy Disney e dele próprio: a companhia é agora a maior da indústria do entretenimento em todo o mundo.(CELS)

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