São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Memórias incompletas do poder

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

``Antônio Carlos Magalhães, Política é Paixão", da editora Revan, tem uma grande virtude e um enorme defeito. A virtude, de fácil constatação, está na escolha do personagem, um político de inegável influência no Brasil dos últimos anos. Quanto ao defeito, é preciso ler o livro para descobri-lo. O texto padece de certa superficialidade.
A matéria-prima do livro é uma entrevista com ACM. De uma obra assim, essencialmente jornalística, espera-se que traga informações inéditas. Mas ``Política é Paixão" não contém a temperatura da grande revelação.
Os textos da ``orelha", da nota biográfica e da apresentação vendem a perspectiva de um mergulho na história da política brasileira dos últimos 40 anos. O leitor começa a submergir, de fato, na página 23, início da entrevista.
Surpreso, nada rente à superfície até a página 115. Só então encontra uma boa explicação para a pouca profundidade do texto. Uma explicação que pinga da boca do próprio ACM.
Ele falava sobre o presidente Tancredo Neves. ``O Tancredo sabia que as eleições diretas não dariam certo e que ele não se elegeria com elas", diz. Acrescenta que, com as diretas, o candidato seria o deputado Ulysses Guimarães, nome defendido à época pelo hoje deputado Franco Montoro.
E prossegue: ``Ainda vou revelar todos os detalhes disso num livro que pretendo fazer mais adiante, bem mais adiante, com o meu testemunho sobre esse e muitos outros episódios políticos". A frase convida à interrupção da leitura.
A ausência de revelações decorre menos de deficiência dos entrevistadores -Ancelmo Gois, Marcelo Pontes, Maurício Dias, Míriam Leitão e Rui Xavier- ou falha da editora, e mais da conveniência de ACM. Uma boa entrevista depende da disposição do entrevistado de abrir a boca.
O livro é, por exemplo, um deserto de revelações sobre o lendário relacionamento de ACM com Roberto Marinho, dono das Organizações Globo. Numa das poucas vezes em que foi mencionado, o nome de Marinho surgiu associado ao do ex-presidente Fernando Collor.
Perguntou-se a ACM se, valendo-se do poderio da TV Globo, Marinho não teria auxiliado na construção da vitoriosa candidatura presidencial de Collor. O início da resposta foi promissor: ``(...) A TV Globo, divulgando a campanha dos marajás, projetou o Collor", concedeu ACM.
Mas o complemento devolveu o livro a sua condição de prólogo de uma obra futura: ``(...) Mas conheço detalhes que me autorizam a dizer que havia restrições anteriores (de Marinho em relação a Collor). Agora, nem tudo posso dizer ainda neste livro. É cedo".
Há trechos do livro em que ACM não economiza palavras. Sobretudo nas passagens em que sentiu abertura para lapidar a sua imagem. Salta do texto, por exemplo, seu esforço para vincular-se a Juscelino Kubitschek, talvez o presidente com melhor imagem entre os brasileiros.
ACM chama JK de ``meu querido amigo". Traz na ponta da língua o número do telefone de cabeceira (45-6995) à época em que presidia o país. Lê cartas que recebeu de JK desde o exílio. Avalia que foi melhor do que qualquer presidente de farda.
Qual a sua participação na trama que levou os militares ao poder em 1964? ``Eu não fui conspirador", responde ACM no livro. ``O que fiz mais foram discursos na Câmara."
O entrevistado reagiu com uma pergunta à constatação de que foi governista durante 95% de sua carreira política: ``Ora, o que há de errado nisto? (...) O objetivo do político é ganhar".
É empreguista? ``Não. Não é do meu estilo empregar e não é do meu estilo pedir." Acha que é certo entregar concessão de rádio a político em troca de voto? ``E quem disse que isso aconteceu?" Ficou rico? ``Eu não sou um homem rico. Sou um homem, diria hoje, independente. De classe média alta, bem bafejada."
Há um momento da entrevista em que ACM fala da biografia de Juracy Magalhães, um político baiano que teve grande influência no início de sua carreira. ``Ninguém vai ler esse livro. Não é um título inspirado", diz. O livro se chama ``Minhas Memórias Provisórias".
Em ``Política é Paixão", o problema não está propriamente no título, mais inspirado do que o da biografia de Juracy. A sensação de provisoriedade contamina todo o texto do livro.
Os leitores mais perseverantes, aqueles que conseguirem chegar à última página, número 274, ficarão com a sensação de que deveriam ter economizado o dinheiro para a aquisição futura do verdadeiro livro de ACM, anunciado por ele próprio.

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