São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Exercícios de contemplação

DJALMA MIRABELLI REDONDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1658, o bispo irlandês James Ussher (1581-1656) anunciava ao mundo: "O Universo foi criado na noite do dia 22 de outubro do ano 4004 a.C. Chegou a essa surpreendente conclusão estudando a cronologia contida na ``Bíblia". Quase 300 anos mais tarde, na edição de 19 de maio de 1931, o "The New York Times publicava em manchete: "LemaŒtre sugere que um único átomo, que continha toda a energia, foi o princípio do universo. O belga Georges LemaŒtre, padre dominicano, era o cosmólogo que acabava de lançar a revolucionária hipótese do começo explosivo do universo, mais tarde chamada de "Big Bang, baseando-se na Teoria Geral da Relatividade, proposta por Einstein, em 1916.
Entre os dois anúncios ocorreu uma profunda modificação na atitude dos homens com relação à ciência e à religião. Quando o eminente bispo Ussher anunciou suas conclusões, a Inquisição tinha processado e condenado Galileu (em 1633) pelas suas opiniões a respeito da natureza do universo e apoio às teses de Copérnico. No anúncio de 1931 é um (padre) cientista que especulava sobre a origem do universo sem levar em consideração o que dizia a ``Bíblia" e nem dar satisfação a nenhum tribunal de Inquisição.
Mais manchetes seriam publicadas no decorrer do século 20, anunciando novos "hits da ciência: teoria da matéria baseada em quarks, descoberta de mais elos na cadeia evolutiva do macaco ao homem, descoberta do DNA e muitos outros avanços, que ampliaram consideravelmente nosso conhecimento sobre o universo, a vida e o homem. A ciência tornou-se a vedete do século, roubando a cena da religião. A ciência (razão) e a religião (fé) são, no entanto, duas importantes dimensões da vida do homem.
É da questão da relação entre razão e fé que Frei Betto trata em "A Obra do Artista - Uma Visão Holística do Universo, refletindo sobre as recentes conquistas da cosmologia, da física e da biologia molecular.
Frei Betto é sacerdote dominicano, teólogo, jornalista, escritor e intelectual atuante nos cenários cultural, religioso e político do Brasil. Mesmo não sendo cientista profissional, tem interesse a sua incursão por aqueles campos da ciência.
No passado -pela insipiência da ciência- prevaleceu a religião; mas, hoje, é a ciência que leva vantagem e muitas vezes as suas conclusões estão em desacordo com os dogmas religiosos. Quais são as perspectivas do relacionamento entre ciência e religião?
"Ora, pondera Frei Betto, "não se trata de reacender a velha disputa, com a esperança de proclamar a vitória da fé sobre a razão ou da ciência sobre a religião. Como diz o provérbio popular, cada macaco no seu galho, ainda que estejamos convencidos de que são galhos distintos de uma mesma árvore, de cujos frutos não podemos prescindir.
"A Obra do Artista não é uma exposição sistemática de nenhuma doutrina científica ou religiosa. É, como o próprio autor a define, "um exercício de contemplação, mas, acrescentaríamos, exercício feito ao mesmo tempo com espiritualidade e poesia, sem deixar de lado, é claro, um pouco de humor e ironia. Não é uma obra científica. É, antes, uma obra literária em que a erudição e a arte se combinam, dando ao texto exatidão e leveza. O resultado é de forte impacto estético e intelectual, o que não é usual em obras desse tipo.
No último capítulo -"A Busca da Unificação-, talvez em virtude do tema abordado, Frei Betto oferece-nos suas sínteses, nas quais vemos o místico sobrepujando o racional em busca do sentido para a vida: "Morrer é fechar os olhos para ver melhor, disse José Marti. Então, estaremos livres das contingências deste universo, em condições de compreender que esta vida não consistiu em outra coisa senão no tempo de gestação concedido a cada um de nós para que, dentro deste imenso ventre cósmico, pudéssemos aprender a viver de amor e contemplar a obra do artista.

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