São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Irlandês tenta vender sua aldeia em leilão

MARIE-LUCE RIBOT

``É uma oferta totalmente fora do comum: uma aldeia inteira só para você. Além disso, veja o tempo, que lindo! É sempre assim em Connemara."
Apesar das palavras tentadoras do leiloeiro, a aldeia de Aillenacally, apresentada por seu proprietário como ``a mais antiga aldeia de Connemara", e posta em leilão no último dia 26, ainda não encontrou comprador.
Com suas 14 casinhas típicas abandonadas há 25 anos, e seus dois minúsculos portos invadidos pelas algas, o pequeno povoado ainda pertence a Patrick Power, conhecido como ``Paddy".
Oferecida por um preço inicial de 200 mil libras esterlinas (cerca de R$ 300 mil), posteriormente reduzido para 100 mil (R$ 150 mil), Aillenacally, situada no oeste selvagem da Irlanda, chegou a despertar o interesse de alguns compradores estrangeiros.
No salão de um luxuoso hotel de Galway, onde o leilão está sendo realizado, um casal de alemães não chegou a dar nenhum lance.
Os proprietários da área vizinha a Aillenacally, inquietos, vieram verificar se a área posta em leilão não inclui terras suas.
``Paddy" Power dá a impressão de não querer se desfazer da aldeia. Sentado sobre o muro de uma casa em ruínas, seus olhos passeiam sobre Aillenacally, que significa alcatraz verde em gaélico, a língua dos celtas.
``Quando vi esta paisagem pela primeira vez, desde o mar, deitei âncora na mesma hora", diz.
Ele foi progressivamente comprando os 28 hectares abandonados, repovoando os galinheiros, plantando batatas, nabos e repolhos. Comprou cavalos, cães e burros, restaurou uma das cabanas, e construiu a ligação da cidade a uma estrada.
Foi por causa de sua filha Blaithin (florzinha, em gaélico) que ``Paddy" decidiu vender Aillenacally. Ela leva três horas por dia para chegar à escola. ``Quero me tornar veterinária, e essas horas todas passadas no ônibus me impedem de estudar a sério", afirma.
No bar de Ballynahinch Castle, três quilômetros depois de Aillenacally, Peter Ward, 68, conta porque a abandonou, nos anos 70.
Ele nasceu, cresceu e assistiu ao lento abandono da aldeia. ``Quando eu era criança, ainda havia 31 famílias de agricultores em Aillenacally", diz.
``Naquela época não havia estrada, nem eletricidade, água, igreja ou pub. Vivíamos isolados do mundo, mas havia muita solidariedade. Todos foram embora. Passei cinco anos sozinho em Aillenacally. Alguns emigraram para os Estados Unidos", diz.
``O último foi Martin Ward, um primo de meu pai, que partiu em 1956 para procurar sua sorte em Cleveland. Os que ficaram em Connemara compraram casas perto da estrada, com água encanada, luz elétrica e televisão".
Em sua casa em Toombeola, Peter devora livros sobre seu ídolo, o mais célebre dos irlandeses: John Fitzgerald Kennedy.
Ele guarda na memória as lembranças penosas herdadas de seus avós. Antes da terrível fome de 1845, outra desgraça se abateu sobre os habitantes de Aillenacally, em 1831: os proprietários ingleses.
Para cada ovelha que os lavradores guardavam, seis tinham que ser entregues aos ingleses.
A partida de ``Paddy" Power suscita temores de que Aillenacally seja transformada em recanto turístico.
Mas também é possível que algum milionário compre o povoado, para mantê-lo intacto.
Não seria a primeira vez que isso aconteceria na Irlanda. Duas ilhas, no oeste e no sul do país, pertencem a particulares.
Tradução de Clara Allain

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