São Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 1995
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'Comédia da Vida Privada' é diversão certa

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

``Comédia da Vida Privada" vem se consolidando como diversão certa na ``Terça Nobre" da Rede Globo.
Diálogos ágeis e engraçados, edição rápida, efeitos eletrônicos e interpretação teatral de texto baseado na obra do escritor Luis Fernando Verissimo fazem o sucesso do programa. Mesmo que muitos dos termos e situações abordadas estejam há muito fora de circulação. Ou talvez por isso mesmo.
``O princípio era o sexo. Há 8 milhões de anos, quando éramos apenas amebas recém-chegadas do fundo do miasma, nós dois já queríamos e não sabíamos o quê. Namoramos 1 milhão de anos sem saber o que fazer."
O narrador em ``off" vai contando a evolução do mundo. Suas palavras são ilustradas com imagens de seres microscópicos. Vamos das amebas até a criação da mulher. O tom de voz vai ficando obsceno para dar lugar a uma sequência de carnaval.
``Comédia da Vida Privada" é moderna. Tem uma equipe de atores, diretores e escritores cuja imagem vem sendo constantemente associada a projetos globais inovadores. Curiosamente, toda essa modernidade estética contrasta com o tradicionalismo das situações arquetípicas que estruturam a narrativa.

Cosméticos
Bailes de carnaval há muito já não são tão memoráveis assim. A fofoca íntima das conhecidas que se reencontram por acaso no aeroporto ou, ainda mais, a conversa de seus maridos sobre aventuras e conquistas no terreno feminino, transmitem aquela inevitável sensação de mesmice.
O tom estridente da interpretação hiper teatral dos atores reforça essa sensação, quase como um comentário sarcástico.
Mas a persistência dessas situações talvez realce a recorrência de certos temas, apesar de toda revolução sexual: a aventura da primeira vez, o tédio do casamento, a amante impulsiva, a separação, o cineminha de domingo.
Reinterpretados, os estereótipos mais comuns de nossos costumes ganharam alguma atualização, mesmo que cosmética.
A obsessão com o sexo é agora também da mulher. Ela faz acupuntura erótica e avalia cientificamente o desempenho sexual do casal, anotado em uma caderneta.
Por outro lado, overdose de emoções e independência aliadas à solidão e instabilidade levam a free-lancer profissional a batalhar o papel tradicional da esposa que lava as cuecas do marido.

Traição
O discurso da malandragem e da folia pode estar meio fora de moda. Mas fidelidade e traição permanecem em pauta. Outro dia eram o assunto do ``Programa Livre", no SBT.
Garotos e garotas revelavam suas experiências. Quase todos já traíram e/ou foram traídos. Mas declarações de lealdade foram aplaudidas com força.
``A Comédia da Vida Privada" trata de comentar com ironia e humor -às vezes chulo- certas posturas estereotipadas de uma suposta moral de classe média -que a essa altura já não sabemos mais a quem pertence. O resultado é reiterativo, mas leve e engraçado.

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