São Paulo, terça-feira, 15 de agosto de 1995
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Paulo Vanzolini guia jornada pelo rio Amazonas

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A GRAMADO

Um belo documentário brasileiro, ``No Rio das Amazonas" de Ricardo Dias, abre hoje um dos melhores programas de Gramado-95. Será sucedido por um raro concorrente paraguaio, ``Miss Amerigua", de Luis Veras.
Às 21h, o festival pára para homenagear com o Troféu Oscarito um dos subestimados mestres da chanchada, o diretor Carlos Manga (``O Homem do Sputnik"). Encerram a noite os curtas ``Cem Anos Depois" e ``A Desforra da Titia" e o envolvente melodrama ``El Callejon de los Milagros", que o mexicano Jorge Fons adaptou de um romance do Prêmio Nobel egípcio Nagib Mahfuz.
``No Rio das Amazonas" é uma reveladora jornada cinematográfica por via fluvial de Belém a Manaus. O precioso guia é ninguém menos que Paulo Vanzolini, conhecido principalmente como compositor do clássico da MPB ``Ronda". Vanzolini, aprende-se com o filme, merece antes de tudo o título de um dos maiores zoólogos do mundo. O rio Amazonas é o personagem principal, mas Dias e Vanzolini conduzem-nos a uma iluminadora viagem a um dos menos conhecidos Brasis.
Formado em Biologia e em Cinema pela USP, com pós-graduação na New York University, Ricardo Dias estréia agora, aos 45 anos, no longa-metragem. ``No Rio das Amazonas" retoma a parceria cinematográfica com Vanzolini iniciada no curta ``Os Calangos de Boiaçu" (1992), que documentava uma expedição pelo rio Branco e foi premiado em Brasília-92 e Gramado-93. Antes, Dias realizara documentários para a TV (Globo Ciência) e rodara um curta (``Paulo Emílio", 1981) e médias-metragens cômicos codirigidos por Inácio Zats (``Memórias de Um Anormal", ``Uma Noite com Oswald").
Antes de embarcar para Gramado, o cineasta concedeu à Folha a seguinte entrevista exclusiva.

Folha - Como você descobriu que Paulo Vanzolini poderia ser o guia ideal da Amazônia?
Ricardo Dias - Conheci Vanzolini quando era adolescente, na década de 60. Meu pai era engenheiro de obras da hidroelétrica de Jupiá, no Rio Paraná, e eu costumava ir com ele visitar a obra nos fins-de-semana. Uma das vezes encontrei Vanzolini que lá estava fazendo o estudo do impacto ecológico da obra -a primeira vez que se fez isso no Brasil.
Eu adorava caçar e pescar e a profissão daquele homem era aquilo. Certamente isso influenciou na minha opção inicial pela Biologia. Na Biologia da USP cheguei a ter aulas com o Vanzolini mas me reencontrei pra valer com ele na época que dirigia o Globo Ciência.
Folha - Por que a opção de mostrar apenas a face do Vanzolini zoólogo?
Dias - Para mim ele sempre foi muito mais zóologo do que compositor. O samba para ele nunca foi tão importante. Basta ver que tudo que ele ganha com música é gasto na compra de livros; na sua sala está a maior biblioteca herpetológica (répteis e anfíbios) do mundo. Ele é PhD por Harvard, foi orientado por Romer (o pai da zoologia comparada) e seu trabalho científico é muito importante.
Folha - De quem foi a idéia de centrar o filme no trajeto Belém-Manaus por via fluvial?
Dias - Eu nunca tinha viajado antes pelo Amazonas. Fazer o filme era uma maneira de conhecê-lo. O percurso foi uma decorrências principalmente dos livros dos viajantes -Bates, Wallace, Agassiz. Este sempre foi o caminho de entrada na Amazônia.
Folha - A decisão de utilizar apenas duas entrevistas com habitantes da região estava no projeto original ou estabeleceu-se durante as filmagens?
Dias - De início eu pretendia fazer mais entrevistas e durante as filmagens rodamos dois outros depoimentos que não estão no filme. Tenho uma enorme dificuldade em entrevistar pessoas que não conheço. Tendo a achar que os depoimentos ficam superficiais e as pessoas pouco à vontade. Gosto de depoimentos longos: aí está a diferença entra a reportagem e o documentário.
Folha - O estigma no Brasil do documentário como filme chato está sendo superado?
Dias - Essa é uma questão que se coloca apenas da nossa geração para cima, gente que ainda pegou o (Jean) Manzon e o (Primo) Carbonari no cinema. Acho mais sério o fato de que muita gente não sabe que é possível existir documentário para cinema.

O crítico Amir Labaki viaja a Gramado a convite da organização do festival.

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