São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 1995
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Planalto agora tenta abafar o `mito' ACM

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Submetido a um desgaste que comprometeu sua autoridade e a credibilidade de seu governo, Fernando Henrique Cardoso decidiu enfrentar o seu maior problema no momento: Antônio Carlos Magalhães. A decisão foi o principal resultado das 72 horas mais tensas do presidente desde a posse.
O plano do governo começou a ser esboçado na madrugada de ontem. Em reunião no Palácio da Alvorada, concluída às 2h30, FHC decidiu partir para o ataque.
Agiu para evitar o pior. Preocupado com a péssima repercussão da operação de salvamento do Banco Econômico, o presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, ameaçou demitir-se.
Levaria consigo toda a diretoria do BC. Um desastre para o governo. Em viagem à Argentina, o ministro Pedro Malan (Fazenda) foi chamado às pressas a Brasília. Antes de seguir para o Alvorada, recebeu telefonema de Pedro Parente, seu secretário-executivo.

Dallari fora
Parente havia conversado com José Milton Dallari, o ex-assessor da Fazenda que há mais de uma semana ocupa espaço na mídia sob suspeita de ter confundido o interesse público com suas atividades privadas.
No diálogo que manteve com Parente, o próprio Dallari revelou a intenção de demitir-se. Prestaria esclarecimentos ao Congresso, na manhã seguinte, já na condição de ex-funcionário público. Comunicado, Malan assentiu, apesar de não estar convencido de que Dallari é culpado.
Resolvido um problema, o ministro da Fazenda defrontou-se com outro mais sério ao chegar ao Alvorada. Já havia sido alertado sobre a revolta que dominava a equipe do Banco Central.
Junto com Gustavo Loyola, Malan defendeu na conversa com Fernando Henrique duas teses. A primeira: o governo deveria explicar-se melhor à sociedade.
Precisaria deixar claro que só aceitaria levar o Econômico à UTI se a operação não sorvesse um único real dos cofres do Tesouro Nacional. A Bahia assumiria o passivo do banco.
A outra: o governo teria de cobrar de ACM a divulgação imediata das denúncias que ACM diz ter contra dirigentes do BC.
O que incomodava Loyola era a impressão de que o governo havia cedido a uma chantagem de ACM. Daí a necessidade da ofensiva.

Um "mito"
Fernando Henrique envolveu-se pessoalmente na ofensiva anti-ACM. Às 12h30 de ontem, chamou ao seu gabinete os líderes de todos os partidos que o apoiam.
Abriu o encontro falando do ``mito" que se formou em torno de ACM. Disse que, como nenhum partido faz oposição aberta à sua administração, o senador baiano acaba ocupando esse espaço na mídia.
Na sua opinião, os veículos de comunicação atribuem às declarações do senador importância excessiva. Fernando Henrique insinuou aos líderes que ACM e seus aliados venderam à imprensa um peixe diferente do que haviam comprado no Planalto.
Por fim, exortou os líderes, entre os quais encontravam-se integrantes do PFL de ACM, a cobrarem do senador baiano a divulgação das supostas denúncias.
Numa exposição que reteve os parlamentares no Planalto até perto das 14h30, o presidente resumiu toda a negociação em torno do Banco Econômico. Ao seu lado estava Clóvis Carvalho, ministro-chefe do Gabinete Civil.
Na véspera, terça-feira, por volta das 10h30, Clóvis presenciara diálogo que Fernando Henrique manteve, pelo telefone, com o governador Paulo Souto (BA).
Clóvis trazia frescas na memória, segundo disse a um amigo, as condições impostas por Fernando Henrique para o abrandamento da intervenção no Banco Econômico.
Eram basicamente quatro: o governo não injetaria mais dinheiro público no Econômico, a apuração de responsabilidades pela má-gestão teria de prosseguir, a instituição seria administrada por profissionais e sua reprivatização teria de ser breve.

Erro de comunicação
Na avaliação de Fernando Henrique, o maior erro do governo foi ter deixado que prevalecesse no noticiário a versão baiana.
Nem mesmo a crise da mudança da política cambial havia causado tanto estrago. O desgaste, na ocasião, recaiu mais sobre Pérsio Arida, então presidente do BC.
A atmosfera de crise contamina inclusive o cenário internacional.
O presidente chamou a Brasília quatro dos principais embaixadores dos quadros do Itamaraty: Paulo Tarso Flecha de Lima (EUA), Jório Dauster (Comunidade Européia, Bruxelas), Celso Lafer (Organização Mundial de Comércio) e Marcos Azambuja (Argentina).
Reuniu-se com eles no Alvorada, na noite de segunda-feira. Chegou para o encontro, às 20h, com uma hora de atraso. Ficou no Planalto mais tempo do que o esperado, para receber Mário Covas.
Os dois falaram sobre o Econômico. Covas desaprovou os entendimentos com ACM.
À mesa de jantar do Alvorada, reuniu os embaixadores e os ministros Luiz Felipe Lampreia (Relações Exteriores), José Serra (Planejamento), Clóvis Carvalho (Gabinete Civil) e Dorothea Werneck (Indústria e Comércio).
Enquanto degustavam arroz com camarão e filé, os embaixadores traçaram um quadro indigesto. Além das já prometidas retaliações comerciais dos EUA em função da falta de reconhecimento de patentes pelo Brasil, o país será condenado na OMC.
A organização deve reprovar o mecanismo de cotas para importação de automóveis.
Terminado o jantar, Fernando Henrique pediu que Serra e Loyola permanecessem no Alvorada. Iniciou, então, a negociação para salvar o Econômico.

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