São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 1995
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Verghese dá lições sutis sobre a Aids

ZECA CAMARGO
EDITOR DA ILUSTRADA

Com o ponto de vista de alguém que não é soropositivo -muito menos doente terminal-, o autor conta histórias pessoais tão envolvente como se tivesse emprestado a narrativa a seus pacientes.
E, mais que um conjunto de relatos dramáticos, ``Minha Terra" é uma sensível análise das relações afetivas e do preconceito que envolve essa doença.
Em entrevista por telefone à Folha, Verghese, 40, explicou que, quando começou lidar com a Aids, ele era, não um ``homofóbico", mas um ``homoignorante".
``Eu comecei essa experiência como muitos homens que nunca tinham sido expostos à cultura gay, e saí dela, não aceitando mais, mas quase com um arrependimento de ter levado tanto tempo para ver o que um homem gay tem para ensinar sobre a natureza de ser homem", diz o autor.
``Os homens heterossexuais vivem se perguntando como os gays conseguem transar tanto. Mas de uma maneira estranha, acho que é isso o que eles têm mais em comum", diz Verghese.
``Na nossa sociedade, é a mulher que diz sim ou não. Se você tirar a figura dela, a maioria dos homens heterossexuais não seria diferente dos gays -pelo menos nesse aspecto", continua o autor.
Nascido na Etiópia, filho de uma família indiana, Verghese foi estudar e trabalhar nos EUA. Sua condição de imigrante limitou suas chances de trabalhar nos hospitais das grandes cidades americanas.
Assim, ele acabou no conservador estado do sul dos EUA, o Tennessee, na cidade de Johnson City.
Só que, o que poderia ser desvantagem, tornou-se uma grande vantagem. ``Aprendi uma coisa fundamental: a diferença entre curar e tratar", explica Verghese.
Segundo ele, a medicina ocidental de hoje perdeu sua característica de terapia, como se só a cura fosse importante. No caso da Aids, ela nem está próxima. Daí, a saída tem que ser outra.
``Nós quase esquecemos que existe um outro nível da doença, que não tem a ver com o plano físico, mas com a sensação de violação espiritual", diz Verghese.
Para ele, a presença e a segurança do médico são capazes de fazer a pessoa se sentir bem melhor. Essa poderosa mensagem, felizmente vem em tom de pregação, mas sutilmente, através das histórias dos pacientes de Verghese.
Nelas, é possível acompanhar o aprendizado do autor.
``Todos nós sabemos que vamos morrer. Mas quando você é um cara jovem e descobre que é soropositivo, isso vira o pensamento principal em sua cabeça. A partir daí, todas as reações da sua vida são aceleradas -e você começa a perguntar seriamente qual o sentido da vida", diz Verghese.
A resposta, segundo Verghese, é quase sempre a mesma: o que fica de mais importante para seus pacientes é sempre a lembrança das relações com quem amamos, família, amigos e amantes.
Verghese, que colabora com revistas como ``The New Yorker" e ``Granta", foi aclamado pela imprensa americana por ter escrito um dos melhores livros do ano passado. Não sem razão.
``Minha Terra" tem, entre outros, o mérito de ser emocionante sem ser piegas e verdadeiro sem ser sensacionalista.

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