São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 1995
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Francisco Alves lança antologia do crime

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Livro: Crime à Brasileira
Autor: vários
Preço: R$ 22

``Crime à Brasileira", seleta de 18 autores que a Francisco Alves está lançando na Bienal, talvez pretenda ser um livro didático. Sugere isto a explicação, no rodapé, de expressões fora de uso, embora dicionarizadas, como cavaqueira e famulagem. Outras, porém, tão ou mais estranhas aos ouvidos hodiernos, não mereceram do editor o mesmo obséquio. Das insuficiências do livro, esta falta de critério é a menos relevante.
As mais relevantes? A rigor, duas: a parcimônia dos textos introdutórios e a inclusão de um conto do próprio autor da antologia, o escritor e jornalista Flávio Moreira da Costa. Vai ver não deram a Flávio espaço suficiente, nem lhe foi possível obter o concurso de ficcionistas mais identificados com os ``bas-fonds" carioca e paulistano de hoje, como João Antonio e outros.
Dividido em dez seções, não se restringe à segmentação óbvia (crime por ciúme: ``A Cartomante", de Machado de Assis; por cobiça: ``Incendiário", de Coelho Neto etc), enriquecendo-a com obras exemplares de delitos cometidos por motivos políticos (o Relatório final do Visconde de Barbacena sobre os inconfidentes mineiros) e crônicas-reportagens de João do Rio e Benjamin Costallat, que revelam como era, no início do século, o baixo mundo do Rio.
Medeiros e Albuquerque não podia faltar. Fecha o capítulo dos crimes por ciúme, com um assassinato indesvendável pela polícia. Autor, com Coelho Neto, Afrânio Peixoto e Viriato Corrêa, do primeiro romance policial brasileiro, ``O Mistério", criação coletiva, em forma de folhetim, publicado em 1920, Medeiros e Albuquerque teve como precursores heterodoxos Álvares de Azevedo e Raul Pompéia, incluídos na antologia da Francisco Alves. Como o conceito que nela se dá ao crime é elástico o bastante para incluir até atos de violência cometidos contra escravos (``O Negrinho do Pastoreio", do gaúcho João Simões Lopes Neto), o autor de ``Se Eu Fosse Sherlock Holmes" comparece uma só vez, mas bem.
Pelo mesmo motivo, escaparam à seleção escritores tipicamente policiais como Jerônimo Monteiro (vulgo Ronnie Wells), inventor do detetive Dick Peter, em ação nos anos 30, e outros, como Anibal Costa e Luiz Lopes Coelho, atuantes nas décadas de 40 e 50.
Os capítulos ``Crime e Belle Époque" e ``Crime e Notícia" são os mais interessantes, na medida em que nos revelam como quase nada mudou entre nós nesses últimos 90 anos. A favela do Pinto, presente nos relatos de Lima Barreto e Costallat, foi varrida das cercanias da Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul do Rio, há uns 30 anos, mas outras proliferaram pelo resto da cidade, com as mazelas de sempre. Quanto às drogas, elas até pareciam mais difusas e acessíveis no início do século do que hoje, a julgar pela leitura de João do Rio e Costallat.
Além de parcimoniosas, as introduções dos capítulos não primam pelo rigor de suas informações. Ao menos na cópia que me foi enviada, o clássico do romance naturalista norte-americano ``McTeague", de Frank Norris, citado no capítulo ``Crime e Cobiça", saiu grafado ``McGueare". O realce dado a ``Madame Bovary", como exemplo de romance inspirado por um fato policial verdadeiro, não se justifica no contexto de uma antologia que, afinal, não se intitula ``Suicídio à Brasileira". O clássico a destacar seria ``O Mistério de Maria Roget", de Edgar Allan Poe, até porque foi escrito 15 anos antes da obra-prima de Gustave Flaubert.

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