São Paulo, sexta-feira, 18 de agosto de 1995 |
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Prato separa brigas de faca, garfo e colher
NINA HORTA
Lembro-me de antigas empregadas tentando alimentar crianças enfaradas, fazendo capitães, que eram bolinhos de arroz e feijão e farinha amassados com as mãos. O formato era o de banana-ouro, tudo muito limpinho, inclusive a mão de quem fazia o bolo. Sabemos que os primeiros homens comiam com as mãos a comida fria que conseguiam e que esses pequenos instrumentos tecnológicos -faca, garfo e colher- chegaram em boa hora para que comêssemos comida quente. Freudianamente falando, dizem que a faca é o pai, o garfo é a mãe e a colher, a filha, com inveja do pai e ciúme da mãe... A mais desprestigiada e mais sem graça. O garfo e a faca são perigosos, e desde o começo, tidos como tal. A faca virada para dentro, olhando o prato, e o garfo devendo ser enfiado na boca com os dentes para baixo. É que os recém-civilizados brigavam com faca e vazavam os olhos do vizinho antes de acabar o primeiro tonel de vinho. A colher, coitada, só serviria para umas colheradas no coco do inimigo. Fraca arma! Com todos esses novos canais de TV, fico observando as maneiras dos cozinheiros. A maioria esmagadora usa as mãos, num exagero. Cozinham com as mãos dentro das panelas, viram o bife com os dedos, apertam o peito do frango para ver se está cozido. Vocês viram uma chef que bate bolo com as mãos e enfia até os cotovelos na farinha e na clara em neve? Se não viram, esperem, que os programas se repetem anos seguidos. Ando sentindo uma leve porém segura reação da colher. Nos grandes restaurantes, de muitas estrelas, não pode faltar, ao lado do prato, uma colher para os molhos. E uma colher especial! O que seria dos pratos "nouvelle sem a colher de molhos? Comer com o garfo o "coulis de framboesa ou de tomate? Com garfo e faca o molho posto a reduzir por horas e horas, essência das essências? Quanto à comida brasileira, acho que melhor ficaria se comida com colher e em prato fundo. Para começar pela óbvia feijoada, o óbvio barreado, o óbvio cozido. E a comidinha de cada dia, nos dai hoje. O feijão, o ensopado de carne, o franguinho desfiado, a abóbora, os quiabos, o angu mole, as inevitáveis panquecas. Para quem gosta muito de arroz, ele se faz de intermediário, embebe tudo. Mas é justo? Comer tudo com arroz. Arre! E desde quando se come melhor um grão com faca do que com colher? Não é uma teoria ou uma pequena revolução. É simplesmente a saudade de um belo capitão amassado com os dedos limpinhos de uma sinhá Júlia qualquer. Texto Anterior: Pastor Jeff Smith vem pregar cozinha informal Índice |
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